sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Para a minha Filha

No dia do seu aniversário, um poema, desta feita inédito.

à minha Filha, Joana


                              "e que rumem rumo ao sonho
                              porque antes vivê-lo um segundo
                              que chorá-lo toda a vida"

                                                  Xavier Zarco


confesso não saber ao certo o que
queres fazer na vida mas há tempo
não para que eu conheça o que desejas
que isso pouco importa mas há tempo
para que tu descubras teu caminho
que só a ti pertence esse caminho
porque a nós só compete estar por lá
vendo-te caminhar e enfim saber
se aprendeste a erguer-te se caíres.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Para o meu Pai, Francisco

No dia de aniversário do meu Pai, um poema:

ao meu Pai, Francisco

meu pai também visita-me nas noites
em que alimento o cancro
que me consome

diz-me de uma árvore que resiste
mui antes do tempo
contado pela sua avó

diz-me enquanto o cigarro resiste
ao vento

ao tempo



quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 8

herdei
de dédalo

o gesto

o alado
desejo

de voar

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Prefácio a "Da humana condição", de José-Augusto de Carvalho



Escrever sobre a Poesia de José-Augusto de Carvalho é como se me sentasse à beira de uma janela e observasse o Alentejo. Uma janela imaginária, privilegiado miradouro, que abarcasse esse pedaço, tantas vezes esquecido, do nosso país: Portugal.

Imagino que um pássaro viria e com ele outros se acercariam de uma qualquer árvore que ali surgisse. Entoariam o cante nobre, pleno de orgulho, de liberdade e resistência.

De súbito, a planície onde uma seara anunciar-se-ia grávida de pão e a ceifeira dobraria o seu corpo e repetiria o gesto, o movimento e a dor de saber que o farto pão, que ali iniciaria o seu caminho, iria para outra mesa que não a sua.

Também o sol acudiria ao chamamento deste meu mirante e experimentaria o sabor da cal. Observaria então como as suas tranças chicoteavam os corpos dos ganhões, que nada possuíam de seu, somente o corpo, a força que jorrava do corpo e os cingiu ao labor por fraca jorna.

Mas também a sombra, aquela que a si própria se inventa sob um chaparro que, como criança, brinca com o sol, a dureza do ofício e seu escasso retorno, me visitaria. Não deixaria de o fazer.

E, apesar de tudo, haverá vinho, pão, azeitona e haverá a magia de uma esperança que será mais forte do que os grilhões, o latifúndio, o dinheiro. 

Uma esperança que canta nas dobras do poema e resiste, porque insiste, em ser exactamente o que é, como se dissesse, de cada vez que olho para esta minha janela, que Eufémia, como uma vez escrevi, nunca será Efémera.

É isto o que sinto quando revisito a Poesia de José-Augusto de Carvalho. 

No entanto, esta é a minha imaginação a exercer a sua influência, a criar o espaço concreto onde creio que o poeta elabora o seu ofício. Mas, apesar de tudo, não deixa de ser um espaço ideal para o erigir de um discurso poético que me faz ir do particular para o todo, do todo para o particular e que me obriga a persistir a desviar o meu olhar para esta minha janela onde não é o Alentejo o que se visiona, mas o mundo, o mundo com os seus senhores e os seus servos.

É o recurso engenhoso e com arte da metonímia o que se pode descobrir a cada passo da sua obra.
José-Augusto de Carvalho apresenta-nos, em todo o seu esplendor, a humana condição, que quantas vezes fazemos de conta não ver, mas que existe e invade, enquanto jantamos e lançamos comentários que, amanhã, poucos deles restarão na nossa memória, porque a vida é feita no desespero de cumprir a hora, exagerando, ou talvez não, de cumprir o segundo.

Este tomo não deve, não pode passar indiferente. É Poesia no seu esplendor porque habita ao nosso lado e não devemos, não podemos manter o olhar cerrado. Isto, claro, se desejarmos, de facto, um mundo melhor. Se não for para nós, que seja para aqueles que nós gerámos.

Talvez este “A humana condição” constitua uma bela oferenda para todos quantos afirmam que a Poesia é inútil. Escrevo-o porque trata-se de um volume onde, repetindo as palavras enformadoras deste título, a condição humana se desnuda perante o nosso olhar.


Coimbra, 15 de Janeiro de 2008


in CARVALHO, José-Augusto de - "Da humana condição". Edium Editores. 2008

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 7

Fogo

nas tuas mãos

arde
o cinzel
da criação

o próprio
gesto
nado
no rigor
da matéria

exposto

somente
o fogo

que amplo
evola
de teu olhar

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 6

Em silêncio, habita as palavras. Um deus
esquecido percorre os meandros do mundo.
Atravessa o rumor da memória como
se indagasse um olhar, um desperto olhar sobre
a cadência errante de um cometa. Agora,
na árvore do poema, descubro o seu nome.
Como um tesouro, guardo-o no mais secreto,
puro e íntimo dos versos que te escreverei.

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

domingo, 19 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 5

Diro homem em tempo diro. A voz
crescendo na tégula antiga.
Trepa um Te Deum pela nave
da catedral que há em ti. Ouve,
ouve esse cântico. Adormece
a voz. E desce para o centro
da argila, talvegue de sonhos,
por onde brota a flor perpétua,
a arte da vida: a criação.

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

sábado, 18 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 4

detentor
do supremo
saber

a flor
germina

há um sol
que grita

livre

no ventre
da semente

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 3

como job
espera

que o teorema
se resolva

qual poema
aberto em flor

ao teu toque
ao teu olhar

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Prefácio a "A metáfora das asas", de Manuel C. Amor



Como escrever um prefácio a um livro quando o próprio poeta, embora sob pseudónimo, insere um poema sugestivamente intitulado: “Como se fosse um prefácio”; e que decididamente nos desafia para o desbravar da obra?

Não sei qual é a resposta, mas o que sei é do privilégio de escutar o coração da terra no coração de cada poema.

Talvez por esse motivo, ao ler este “A metáfora das asas”, senti que observei o poeta na sua condição de exilado, longe das coisas mais simples, mas que são o cerne da sua matriz, e que necessariamente se perpetuaram em si, esboçando o desenho de cada passo conquistado.

Manuel C. Amor olha para o interior de si próprio, explorando todos os possíveis compartimentos da sua memória, em busca de sons, cheiros, paisagens, afectos, mas sobretudo daquela música secreta que lhe invade a alma.

Porque o poeta vive o seu tempo e as suas circunstâncias, abraça essa matriz como quem sabe que, se o não fizer, o legado aí gerado se perderá.

Radica aí esta sua urgência, esta necessidade crescente, que se sente a cada dobra do poema, de moldar a palavra como arma. 

Gritar para que seja ouvido, escrever como se escrevendo, para além do desejo de passar a sua mensagem, efectuasse a sua catarse, conferindo desta forma à sua escrita toda uma carga emotiva só ao alcance de quem viveu com intensidade o que converte em poesia.

Esta metáfora das asas, com um artigo definido a antecedê-la, é como uma impossível escultura de uma lágrima, de uma lágrima pura, que teima em cair, deslumbrada pelo eclodir da dor, mas também, ou talvez sobretudo, pela esperança que a tudo resiste.

Em suma: uma poética de combate por valores, causas a que o poeta não pode, nem quer, por respeito a si próprio, ser indiferente.

Cabe agora ao leitor decifrar esta metáfora, este sentido outro da palavra, das palavras, em suma: ler esta metáfora pelo seu próprio respirar.


Coimbra, 3 de Outubro de 2008


in AMOR, Manuel C. - “A metáfora das asas”. Edium Editores. 2008.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 2

a visão

descer
ao fundo

rumar
ao topo

não sei
que caminho

recordo
o quadro

dependurado

na janela
da memória

o grito
edward munch

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

de "Palavras no vento" - 1



A Clio

Deixemos, Clio, as margens deste rio,
Clausura de um poema de sentidos.
               Saibamos das palavras
               Todas de um só desejo.

Vamos, Clio, enlacemos nossos corpos,
Inventemos o amor, a poesia
               Como ave que percorre
               O caminho do sol.

Façamos deste rio agrilhoado
Corpo da ave que somos, e voemos
               Com as asas do amor
               Que para nós criámos.

in "Palavras no vento" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2003)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 19

babel
é um poema
como flor desperta
ao sol nascente

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

domingo, 12 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 18

As palavras, como aves, invadem
os beirais da memória.
Pacientes, aguardam que o outono
faça tombar a última folha
para que em seu tegumento
indaguem o rumo ao sul,
um rumo rente às metáforas.

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

sábado, 11 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 17

amplo
o gesto

braços
ramais
abertos

ao ritual
do fogo

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 16

agora que as mãos despertam o
ofício do sonho, e que teu corpo
evola por sobre a matéria,
extenso é o momento e preciso é
o voo ou o desejo de ser ave
em alma e corpo.

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 15

adormece
a música proclama
o regresso, o pó
na epiderme da memória

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 14

abre a janela
para que as flores rumem longe no
seio do olhar
desperto à luz

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 13

tece
tecedeira
a teia

prende
ponto
a ponto

a presa
presa
no olhar

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

domingo, 5 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 12

suspenso
o corpo

verbo
que se conjuga

até à extinção

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

sábado, 4 de janeiro de 2014

Sobre “A metáfora das asas”, de Manuel C. Amor


Não se espere encontrar neste volume um acto revivalista ou saudosista. Antes um olhar atento que denuncia os erros de ontem e que hoje, nos nossos dias, se repetem.

O acto poético de Manuel C. Amor é, por isso, uma arma. Mas é uma arma que radica, como afirma o poeta, 

“Na profundidade das contradições”(1)

Nesse lugar onde se bebia

“o sentido das palavras camufladas.”(2)

Aliás, ler poesia é um desafio maior. Não há outro género onde a palavra adquira mais valor do que este. É através da palavra poética, prenhe de música e significado, que se desperta no leitor, em simultâneo, tanto o lado sensível como o lado racional. E é capaz de acordar em nós outras fórmulas para a interpretação do mundo. 

Naturalmente que me refiro à boa poesia.

Coloco a obra de Manuel C. Amor, não só este livro, mas os múltiplos esparsos que tive a fortuna de ler, neste patamar. 

De facto, através do seu registro poético, temos acesso, o nosso próprio acesso a uma mundivivência plena de pulsação, mas de uma pulsação não artificialmente criada, mas verdadeira, plena de autenticidade.

Logo no título: “A metáfora das asas” há esses indícios. Que asas são estas sob a condição de metáfora, não de uma qualquer metáfora, mas de a metáfora?

Poderemos atribuir o valor de liberdade a estas asas, nada mais normal. Aliás, a palavra liberdade surge logo no poema “Como se fosse um prefácio”. 

No entanto, repare-se que Manuel C. Amor escreve, embora sob pseudónimo, que 

“A liberdade
é um fardo muito pesado”(3)

Ou seja: embora se possa ler este tomo sob esse signo, à luz e contraluz desse signo, estas asas, para mim, representam mais Hermes do que propriamente Espártaco. 

São mais mensagem, transmissão de testemunho, do que liberdade, quebrar dos grilhões.

E porque referi duas personagens da cultura clássica europeia, talvez o que melhor se enquadra nesta minha leitura de “A metáfora das asas” não é Dédalo, embora este saiba do perder de algo precioso, o seu próprio filho: Ícaro; pelo que se tornaria urgente o passar da mensagem do erro, sequer por ter cumprido o seu objectivo, mas Sísifo, a figura de Sísifo.

Pelo menos este leitor, logo neste terceto o descobre.

“Há um gozo insano
no contestar
o que se perdeu outrora”(4)

ou noutro excerto pode ler-se o seguinte: 

“Falem-me do canto de rouxinóis
eu falarei de um outro canto

aquele que emerge do fundo
das almas angustiadas”(5)

ou, porque a sabedoria popular diz que não há duas sem três, escute-se o seguinte: 

“regresso à memória da matriz
para encher os olhos de sol.”(6)

Mas o certo, naturalmente que o certo aqui é o meu certo, é a inversão da leitura do mito de Sísifo efectuada por Albert Camus. Não é nesta obra o tempo de reflexão, o tempo de contemplação, o período que medeia o chegar ao topo e o regresso ao vale.

Antes é o próprio esforço de levar a pedra, a mensagem, até ao cume do monte. Torná-la alcançável ao homem, a todo e qualquer homem.

Mais do que isso: é o próprio instante da pedra, da mensagem, no cume do monte. É o abrir do livro, verdadeiro eclodir do poema.

Este é o instante mágico em que o ofício do poeta se expõe para a possibilidade do ofício do leitor. Ambos se municiaram dos mesmos artefactos: as palavras. 

Cada um com a sua própria forma de delas tirar proveito. Ambos as sentem como suas nesse instante.

E o jogo de tese, antítese e síntese torna-se o verdadeiro mecanismo depurador da mensagem, a metáfora que eu, leitor, leio na palavra asas.

NOTAS:
(1) AMOR, Manuel C. - "A metáfora das asas". Edium Editores. S. Mamede de Infesta. 2008. P. 11
(2) AMOR, Manuel C. - Ob. Cit.. P. 11
(3) AMOR, Manuel C. - Ob. Cit.. P. 7
(4) AMOR, Manuel C. - Ob. Cit.. P. 7
(5) AMOR, Manuel C. - Ob. Cit.. P. 13
(6) AMOR, Manuel C. - Ob. Cit.. P. 18

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 11

sob a breve candura desta música
deste rio
que nos atravessa a alma

dança

dança
até que o sonho se extinga
até que as palavras
sejam
meras peças
de um puzzle por decifrar

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

de "Acordes de azul" - 10

sei que no centro o som cresce
límpido e cristalino
como alma de um diamante
inesperado
por onde a luz brinca
qual criança
desbravando o mundo

in "Acordes de azul" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2002)