Corria o ano de dois mil e dez quando Domingos da Mota nos faz chegar, através da editora Temas Originais, a obra: “Bolsa de Valores e outros poemas”.
Se não
fosse pela imagem de capa ou pela inserção de “e outros poemas” muito provavelmente o livro figuraria nos
escaparates ou não fosse a Bolsa de Valores um tópico cada vez mais actual e
presente no nosso dia-a-dia. São cotações para aqui e para acolá.
Mas não,
não se trata de um livro que nos traz o desvelar desses valores, mas, de facto,
de um livro de poesia. Pessoalmente, ainda bem que assim é.
No
entanto, este livro, aparentemente dividido em duas parcelas, permite as mais
díspares leituras o que só lhe acrescenta valor, melhor: cotação em bolsa.
Como tal,
aquela que aqui vos deixo, só deve valer para mim, mas, naturalmente, espero
que em vós, se é que uma leitura diga mais do que o que vale: uma leitura;
permita que este livro, pelas vossas próprias leituras, mereça aquilo que eu
considero um destino digno de um livro: rasgado porque mau ou gasto porque bom,
isto é: que haja uma boa reflexão em torno deste; que não caia nas malhas da
indiferença.
Já conclui
múltiplas apresentações assim. Agora assim começo este curto texto e faço-o
porque este volume é um desafio, um desafio que inicia com uma das tais
questões fulcrais: “o que é um nome?”,
como se nos informasse a frio que há uma identidade a indagar e essa é a nossa
própria identidade, a essência ontológica.
Só depois
de um conjunto de interrogações é que Domingos da Mota nos diz que, afinal, há
um livro à nossa espera, mas antes diz-nos de uma pedra, de uma madeira, de um
pedaço de terra, sob a forma de um poema, onde as palavras se gravaram numa
caligrafia que urge acordar.
E só há
uma forma de entrar num livro. Há que descobrir a chave, mesmo que não seja a
chave, mas uma chave, que seja nossa, para poder, posteriormente decifrar
imagens.
Há
portanto que escutar, apreendendo uma espécie de desejo, mesmo que fragmentado
por nós, o que diz o poeta, e cito, fragmentado:
“Um poema tomara: e que fosse
À raiz das raízes ou mais alto
(...)
que fosse ao coração do próprio ser” (1)
Isto é:
buscar um ideário de Beleza, não do Amor que se faz, como adiante se verá, e os
poemas subsequentes podem induzir, mas a verdadeira face do Amor, o que é,
independentemente do tempo, mas dependente de quem o pode sentir ou meditar,
aproximando-se do mundo, não só como conceito, mas, também, como algo que pode
ser, sempre por aproximação, experienciado.
Ou como
diz o poeta:
“O amor permanece enquanto houver
Sede e fome entre o homem e a mulher” (2)
E a
poesia, não só como expressão privilegiada de arte, mas como portadora do que é
o mundo, pode interpelar o homem e a mulher a despertarem em si a tal fome e a
tal sede.
Domingos
da Mota traz-nos um manual sob a forma de valores que há a licitar, mas que nos
conduzem, não só ao que dialogando com a pintura menciona, e cito:
“Ao peso imponderável da beleza” (3)
mas, pela
proximidade às coisas nos ensina a exigir, e volto a citar:
“Que os espelhos devassem o desgaste
E foquem a nudez a meia haste” (4)
Aí os
valores, talvez em dúvida pelo método, entregar-se-ão aos domínios de uma outra
ciência, como se, tal como refere o poeta:
“Sem a lei da mecânica quântica
Irrompe a incerteza na semântica” (5)
No
entanto, note-se que o poema, titulado como “Princípio da Incerteza”, de onde se extraí este dístico, aliás
dístico final de um, dos múltiplos, sonetos shakespearianos, que nos remete
para Heisenberg, mas isso é outra conversa, ou talvez não, precede o poema que
titula o livro, onde o poeta conclui:
“Que a bolsa de valores, em substância
Retrata o poder e a ganância” (6)
Aproxima-se
aqui, sem dúvida, para este leitor, claro, ao real, a este mundo em que
vivemos, mas também nos diz que há que proceder com atenção, isto é: não cair
em tentação, não ceder à ganância.
Talvez por
isso o autor nos apresente logo de seguida uma elegia ou uma geografia
necessariamente mínima ou um ensaio sobre o esquecimento, quase diria, tal como
refere o povo, que quem tudo quer tudo perde; mesmo antes de nos convidar para
uma antologia, isto é: selecta de flores; à qual designou por outros poemas,
mas que consubstanciam a primeira série deste volume, à guisa de notas, mas sem
a devida referência.
No cômputo
geral, estou em crer que “Bolsa de
Valores e outros poemas” é uma obra que nos interpela para os ecos do
mundo, como se nos dissesse que há que escutá-los e que nos facilita a vida
porque o faz em poesia, através da arte, quase diria pura e dura.
Um exemplo:
“Natureza morta com flores”,
onde, aludindo a um conjunto de designações associadas a flores, isto é:
palavras que associamos a flores; nos diz de uma imagem que se vai construindo
em nós. Tudo sempre sob uma atenta construção musical, ritmada em que, por
exemplo, o uso das aliterações nos dizem mais do que as próprias palavras de
onde estas são geradas.
É Domingos
da Mota em acção, um vero oleiro, na acepção de iniciador, que nos lega, não
sei se por palavras ou por sílabas, um mundo outro que só a poesia e seus
mestres podem legar.
Notas:
(1) MOTA, Domingos da - Bolsa de Valores e Outros Poemas. Temas Originais. Coimbra. 2010. P. 11.
(2) MOTA, Domingos da - Ob. Cit. P. 25.
(3) MOTA, Domingos da - Ob. Cit. P. 33.
(4) MOTA, Domingos da - Ob. Cit. P. 37.
(5) MOTA, Domingos da - Ob. Cit. P. 39.
(6) MOTA, Domingos da - Ob. Cit. P. 40.
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