terça-feira, 13 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 53


DONA ALICE

Quem me julga, Dona Alice,
Que só por vir à janela
Tenha de ir no diz que disse,
No desce e sobe a viela?

E que a moça ali ao lado
É qual cais de marinheiro?
E a viúva do Soldado
Vai casar com um Primeiro?

Dona Alice, não me conte
Que eu cá finjo não ouvir!
Não se julgue como fonte
Das novas que estão p’ra vir!

E se pensa que aqui fico
Para ouvir seu recital,
Tem razão, ponha no bico
O café, meu bom jornal!

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 52


TI ZÉ

O Ti Zé da mula ruça
Logo pela manhãzinha
Levava cachaça à fuça
Para se manter na linha

Para se manter na linha
Mui desperto e sem catarro
Logo após a cachacinha
Meditava num cigarro

Meditava num cigarro
O Ti Zé que é gente fina
Porque deste não há barro

Muito menos mão de oleiro
Pois quis deus dar-lhe por sina
Ser último mas primeiro

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 11 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 51


TI MARIA

Na quinta da Ti Maria
Ia um grande reboliço,
O galo não deu o dia
Porque a voz dera sumiço.

Ti Maria adormecera.
As vacas por ordenhar
E os ovos, que prometera
À vizinha, por levar.

Raio do galo chanfrado,
Mais parecia avestruz.
Encolhido, amedrontado
Pela faca que reluz.

“Agora é que vais de vela,
Com batata a acompanhar.
Para dentro da panela
Porque é tempo de estufar.”

Bem tentava o bico abrir
O galo para cantar,
Mas a voz soube fugir,
Não ficou para o jantar.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 10 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 46 a 50


Silhueta na janela.
Janela com silhueta.
O mundo é uma procela
A passar de motoreta.

*

Tenho na mão uma rosa
Para dar ao meu amor
Que como a rosa é formosa
Airosa como uma flor

*

Trago no olhar o presente
Mais doce do verbo amar
Como um riacho pungente
No ventre do teu olhar

*

Traz o dia na lapela
Uma flor do meu jardim
Por ela o sol se revela
Em seu esplendor sem fim

*

Um sorriso de criança
O que é mais preciso ver,
Se são olhos da esperança
Que só elas podem ter?

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 41 a 45


Para quê sentir o mar
Retirar-se mansamente,
Se não podemos amar
Quem vemos em nossa mente.

*

Para quê ser o não ser
Se não ser é ser assim.
Ser ser e nunca saber
Qual dos seres se é enfim.

*

Quantas vezes o carteiro
Traz a carta sem saber
Que transporta o mundo inteiro
Para quem a receber

*

Retira das mãos o gesto
Com que crias o teu mundo.
Que nada reste, que o resto
É pó, cinza e mar ao fundo.

*

Será que o amor é vida?
Será que ele é ilusão?
Só sei que és minha querida,
Meu amor do coração.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 36 a 40


O rio vai para o mar
Despejar a sua mágoa.
Nele só vai encontrar
Quem lhe rouba a sua água.

*

O teu véu tapa-me a vista
Mas não me desvia o olhar
Só petisca quem arrisca
Esse teu véu levantar

*

Olho tanto para a frente
Que me dói de tanto olhar.
Hoje, ao olhar, certamente
Vejo os meus olhos fechar.

*

Onde estão teus olhos de água;
Onde está o brilho ledo;
Será que só há mágoa
Em teus olhos de sossego?

*

Ouço o meu povo cantar
A alegria da semente
A esperança de germinar
Pela voz que a terra sente

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 31 a 35


Não pensem que é só rimar
Para se dizer ser verso,
É preciso nele achar
Até o próprio universo.

*

Nasce o sol do novo dia
Que logo, logo começa.
É a vida que inicia
O ciclo em que ela tropeça.

*

Nasce o tudo, nasce o nada,
Nasce a vida e a alegria.
A esperança é a errada,
Se não nasce como o dia.

*

Nunca houve nada melhor
Do que um pouco de paixão,
Sofrer um pouco de amor
Não faz mal ao coração.

*

Ó erva tenra que nasce,
Quem te pisa te desama,
Não há quem na terra te ache
Se o vento nunca te chama.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 26 a 30


Muitos olhos eu já tive,
Mas nenhum me soube ver.
Talvez a sombra é que vive
Na esperança de morrer.

*

Na minha janela achei
O canto de uma sereia
Foi por ela que embarquei
No olhar que me nomeia

*

Na muralha da cidade
Se desenha o sol poente
Como canto de saudade
Para o meu amor ausente

*

Não há poema que cante
A canção que canta o mar
Que em branco do azul errante
Se desfaz no meu olhar

*

Não me deixes por destino
Esse teu fio de prumo
Quero ser como um menino
Que crescendo faz seu rumo

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 21 a 25


Há uma moura encantada
No ventre do teu olhar
Quando corre a madrugada
Levando ao colo o luar

*

Meu amor é flor ausente
Janela que não tem rosto
Como este sol indolente
De dezembro em pleno agosto

*

Meu amor foi à janela
Quando o sol se foi deitar
Ai quem me dera por ela
Nesse momento passar

*

Meu amor vinha à janela
Sorrir ao me ver passar
Agora ao passar por ela
Só a posso recordar

*

Meu poema meu tesouro
Em quatro versos guardado
Valerás mais que todo o ouro
Se por amor fores cantado

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 4 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 16 a 20


Ergo a voz ao doce vento
Para me indicar o caminho
Que no canal do lamento
Não quero passar sozinho

*

Eu quero abrir a janela
E deixar entrar o sol
Que atribui à lua bela
O canto do rouxinol

*

Eu trago um verso comigo
Bem dentro do coração
Partilho-o contigo amigo
Na estrofe de uma canção

*

Foi pela escola da vida
Que aprendi o verbo amar
Poema de asa ferida
Sem vontade de rimar

*

Há um sonho uma criança
Que sorri ao sol nascente
Como quem veste a esperança
Como quem sabe o que sente

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 3 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 11 a 15


Donde vem o barco à vela
Que navega no alto mar?
Vem do sonho que a procela
Não deseja incomodar.

*

Dou-te um verso como a flor
Que está prestes a nascer
Como canto de louvor
Que em teu olhar vou erguer

*

É formosa a flor, menina,
Quando o sol na face a beija,
Porque é bela e pequenina
Como a abelha que a corteja.

*

É no reverso do verso
Na secreta orografia
Que se decifra o universo
Pela voz da poesia

*

Entre pergunta e resposta
Mostrou artes de acrobata
Não vá o azeite da posta
Fugir com uma batata

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 6 a 10


Como quero respirar
O ar do amanhecer.
Só nele posso ganhar
O que tive de perder

*

Corre o mundo, corre, corre...
Corre o mundo sem parar.
Porque o dia é sol que morre
Na certeza de voltar.

*

Da janela para a rua
Voa longe o meu olhar
Como nuvem que flutua
Sem medo de não voltar

*

De sete sílabas são
Os quatro versos da vida
Que como poucos nos dão
Do coração a batida

*

Dei-te um lencinho bordado
Quando o sol se foi deitar.
Ai, amor, que o tens guardado
Para quando a ti voltar.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 1 a 5



A janela da menina
Abre-se de flor em flor.
Ai!, como ela é pequenina
Quando a rego com amor.

*

Abri a porta e não vi
O que por detrás havia.
Ainda hoje não perdi
O que não vi nesse dia.

*

Bate brando o coração
Como corre o doce vento.
Cantam a mesma canção
Para o mesmo sentimento.

*

Bem no topo da colina
O moinho em movimento,
Como a singela bonina,
Pára e cumprimenta o vento.

*

Canta o vento a trova azul,
Que é a cor do imenso mar
Por onde vou rumo ao sul
Sem cartas de marear.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice