quinta-feira, 31 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 20

ao centro
a voz

o poema
arde

na boca

que o proclama

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 19

em espiral
nasce

do caos
o cosmos

do dervish
a dança

do silêncio
a melodia

ascende

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

terça-feira, 29 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 18

acaricia

a noite
cai

desce
a névoa

ou o retábulo
embutido

na madeira

original

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 17

escrever

breve
o murmúrio
do vento

no dorso
dos cavalos
do verso

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

domingo, 27 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 16

a estátua
liquefeita

ou o poema
reconstruído

sob o cinzel

do tempo

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

sábado, 26 de outubro de 2013

Sobre “Dias Incompletos”, de Ana Wiesenberger



No ano de 2011, surgiu “Dias Incompletos”, da autoria de Ana Wiesenberger, poetisa que, se as minhas informações estão actualizadas, à data, publicou, contando com o mencionado, dois volumes de poesia, tendo o segundo por título “Idades”.

Em “Dias Incompletos”, a autora indicia-nos de como soube escutar as coisas que a circundam. Não passou indiferente ao real, transportando-o para dentro do próprio poema, como se o olhar, ele próprio, fosse a mão que escreveu.

No entanto, e apesar da quase direi crueza que a obra parece apresentar, tal conclusão é apressada, só possível, na minha opinião, se se passar pelo livro como se passa amiúde pela vida: sem vontade de ter tempo; sem capacidade de olhar para além do que a paisagem propõe.

Ana Wiesenberger propõe-nos exactamente isso: diz-nos do reflexo no vidro da janela, mas como que nos convida a abrir essa mesma janela e meditarmos sobre o que há para além.

Aproxima-nos do rosto através da amostragem da máscara, daquela com que nós enfrentamos os nossos afazeres quotidianos; essa máscara que, sentindo-a necessária, sempre questionamos da validade dessa mesma sensação.

Talvez exista por aqui, como refere Agostinho da Silva, embora a conclusão que este filósofo português tira seja, a meu ver, perigosa, 

“um suplemento de ócio que, excelente em si próprio, porque nos aproxima exactamente daquele contemplar dos lírios e das aves que deve ser nosso ideal”. (1)

E este suplemento, utilizando a palavra do pensador, talvez tenha a capacidade de abrir a porta à possibilidade de enfrentar o mundo com o próprio rosto.

Lê-se logo a abrir o poemário, no poema [Há dias], o seguinte: 

“Há dias
Em que não compreendemos
Porque temos de aceitar
Cúmplices
A tortura das trivialidades
A que estamos constantemente expostos” (2)

Depois, o questionar, o procurar a tal necessidade da máscara, concluindo o dito poema com uma estrofe que considero lapidar:

“Há dias
Em que deveríamos pôr de lado
A responsabilidade
O dever
A chatice
De existir” (3)

E o que vem a seguir é exactamente uma amostragem desse existir chato, desse existir longe do que sentimos ser o que somos. Desde:

“As pessoas
(...)
Que esqueceram os sentidos,
Mas estão convencidos
Que vêem,
Que sentem nos dedos e nas glândulas
O pulsar da vida”(4)

Puro engano, digo eu, porque tal como escreve Ana Wiesenberger, nós

“Sentamo-nos
Ajeitamo-nos nas cadeiras
E esperamos pelo fim.”(5)

Em suma: gastamos o tempo sem ter a sensação, já não digo consciência, de que se usufruiu desse mesmo tempo. E tanto assim é que a autora remata o poema intitulado “Urgência” dizendo isto:

“Os que franqueiam a porta de saída
De receitas na mão, vão contentes
Não por estarem sãos
Mas porque já estão livres
De esperar”(6)

É caso para dizer: será toda a vida, toda a nossa existência um tempo de espera? Será que reconfigurámos (ou desfigurámos) o nosso mundo como uma autêntica sala de espera?

Onde reside então a saída, a saída de facto, para esta nossa vidinha? Talvez exista aqui, neste espaço-outro que o poema é capaz de criar. No fundo, a poesia é partilha de conhecimento e eu, tal como a poetisa Ana Wiesenberger,

“Quero trazer a poesia para a rua
Vê-la descalça a pisar
A terra e as pedras
Sem medo de assumir
A sujidade dos dias

Quero poemas com cheiro e ruído”(7)

Porque, tomando agora meu este seu dístico, considero que ainda há tempo para ter tempo, ainda há tempo para viver, ainda há tempo para, quem sabe, convencer 

“Deus
A tornar-se um poeta”(8)


NOTAS:
(1) SILVA, Agostinho da – in “Citador”. http://www.citador.pt/textos/a-face-oculta-dos-progressos-tecnicos-agostinho-da-silva (último acesso a 15.10.2013). Com a seguinte referência bibliográfica: “Agostinho da Silva, in “Textos e Ensaios Filosóficos”
(2) WIESENBERGER, Ana – Dias Incompletos, Temas Originais, Coimbra, 2011, P. 7
(3) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 8
(4) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 10
(5) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 12
(6) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 14
(7) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 19
(8) WIESENBERGER, Ana – Ob. Cit., P. 20

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 15

esboça
a queda

o retorno
do silêncio

à matriz

da memória

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 14

corpo

vaso
onde
as vozes
se entregam

ao desejo
de voar

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Para a minha Mãe

No dia do aniversário da minha Mãe, um poema:

para a minha Mãe, Amélia

não sei mãe por que aves
se desenhou
teu rosto

não sei que canção colheu
teus gestos

sequer que poema
ou verso
por escrever
soube dizer-me de tua voz
por entre a insónia dos dias

não sei
confesso

mas embora procure respostas
as perguntas que encontro
me dizem mais

mãe

talvez como quem soube
que um mistério
direi
um mistério de rubik
sabe
como as laranjas tidas nos lábios
por saltar muros

mas o que sei
o que penso que sei
mãe
é que todas as portas

que o medo para si reclama

por tuas mãos se fecham
quando a noite se senta à minha beira
e na tua boca
se esboça um beijo

terça-feira, 22 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 13

no dorso
do canto

a ave
iluminada

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 12

descalço

o vento
promove
carícias

nas ondas
do mar

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

domingo, 20 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 11

morde
as arestas
do tempo

e demanda
o espelho

onde o olhar
se perde
e se transforma

na forma

dos teus sonhos

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

sábado, 19 de outubro de 2013

Sobre “Onde os pássaros fazem silêncios”, de Lita Lisboa



Numa altura em que o ofício poético, a edição de poesia, a divulgação, a própria distribuição digna desse nome deste género literário se constitui à maneira de um autêntico gueto, de uma espécie de raça de aves raras, e este rara sequer com o valor de precioso, mas de algo de estranho, alienígena, fora deste mundo dito, ou tido, como realidade, é bom, reconfortante encontrar alguém assim no nosso caminho.

E digo isto porque muito provavelmente, tal como escreveu António Rebordão Navarro no seu “27 Poemas”, se um destes dias a Lita Lisboa for apanhada na Rua da Sofia, na cidade de Coimbra, considerará também como insulto o termo: poetisa.

E porquê? Porque Lita Lisboa vai, procura, divulga, não só o que a ela mesmo diz respeito, mas a tudo, ou quase, que lhe vem parar às mãos. Não se submete a esse processo do sorriso, da palmadinha das costas, processos geralmente vazios de conteúdo, falsos, com o único propósito de ficar bem aquando da passagem da câmara fotográfica, antes promove valores de frontalidade, de, no fundo, amizade pura, bem como não se remete ao silêncio ou a ouvir uma única versão, antes procura saber do outro lado da questão.

Ou seja: antes de tudo, é pessoa. Depois, sim, depois tudo o que os seus passos souberam conquistar. Porque, e cito a poetisa: 

“O clarão cega,
adormece os sentidos”. (1)

Estes valores, este estado de ser e estar, estavam bem patentes na sua primeira obra, mas esta supera-a, na medida em que há um criar de distância, um observar sobre, não um observar dentro, tal como ocorre em “Fragmentos de mim”. Permite-lhe ver o tal claramente visto camoneano. Nas suas palavras: 

“vejo a noite chegar em pleno dia
A vida despida e sem graça,
E já nem o luar, tem poesia.” (2)

Repare-se nesta breve citação a inclusão gráfica de um sinal de pausa subvertendo a regra.

Tal reposicionamento no seu acto de escritura permite-lhe obter impressões não contaminadas pelo que a envolve, antes lhe dá a capacidade de melhor obter os ecos do mundo, depurá-los ao seu próprio ritmo e, assim, pelas necessárias palavras, construir o seu poema, no fundo, 

“Apanhar
o sol que nos enxuga as lágrimas...” (3)

E só a distância nos permite retirar o excesso das impressões primeiras.

Quem escutar Lita Lisboa a ler um poema alheio verificará que o ritmo que imprime à leitura, não é de facto o ritmo gráfico ou ortográfico de quem o escreveu. A Lita cria pausas, adapta, obriga o poema a tornar-se de facto seu. Quem escreve sabe que só vale de facto a pena partilhar, porque de um acto de partilha se trata, o que se cria se, do outro lado, alguém tomar posse, isto é: não se tornar indiferente o que se produziu.

E estes factores tornam a sua cadência cada vez mais autónoma, mais própria, fruto da leitura, também da contaminação pelo outro, faz com que os seus poemas adquiram uma mais valia: a da autenticidade.

E é essa autenticidade que me cativa no que a Lita Lisboa escreve, melhor: ao que eu escuto quando a leio.

Se há por um lado, uma espécie de grito, de alerta, de chamada de atenção a esta nova forma de encarar o mundo, de estar com o outro, por outro há uma construção rítmica que nos diz da necessidade de ponderação. Raro é o poema onde se sente a necessidade de acelerar a leitura. Citando. 

“Do esplendor da natureza,
colho tudo o que o olhar vê
e construo teias de trinados.” (4)

Lita Lisboa convida-nos através dos seus poemas para a ágora, coisa bem fora de moda nos dias monocórdicos que correm, para o debate franco, honesto, sem rodeios.

Há neste seu novo título uma busca de uma escritura mais cristalina, talvez a procura do traço que a sua outra vertente artística, a pintura, nos traz: aquele instante ofertado pela paisagem, aquela luz que desenha a silhueta, em suma: a sugestividade pelo real configurada naquele instante que nos coube em sorte viver.

Creio que a escrita lhe dá o tal sonho, o tal objectivo indiciado em título. Aquele que só quem desenha o voo é capaz de saber que o seu limite é para além do limite que lhe é imposto socialmente e tem a veleidade, sim, porque de veleidade, de ousadia se trata, e é capaz, não direi de tocar, que, tal como nos ensinou Antonio Machado, não há caminho, o caminho faz-se caminhando, mas de o sentir, de o saber próximo, provável e constantemente próximo, e isso é relevante: é sinal que há futuro.

“Onde os pássaros fazem silêncios” diz-nos exactamente dessa dimensão, do meramente humano, na medida em que o humano deve ter em conta um único valor: o valor do ser.

Para concluir: à poetisa direi somente isto, não há duas sem três, mas que o terceiro se mantenha fiel, fora das regras do cânone, mas dentro das regras da sua voz.


NOTAS:
(1) LISBOA, Lita - "Onde os pássaros fazem silêncios", Temas Originais, Coimbra, 2011. P. 25
(2) LISBOA, Lita - Ob. Cit., P. 24
(3) LISBOA, Lita - Ob. Cit., P. 52
(4) LISBOA, Lita - Ob. Cit., P. 42

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 10

desperta
o gesto

desprende
as palavras

a música
das sílabas

por onde aves
simulam

a queda
o silêncio

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 9

o fim
do poema

esventrado
inútil

perdido
no branco

da página
de um livro

a pó
impresso

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 8

urge
o esboço

a epiderme
do espanto

crispada

de desejo

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

terça-feira, 15 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 7

o vento
enfuna

a espuma

o rigor
das ondas


refulgentes

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 6

primeiro
a voz

o verso
exposto

o batel
do poema

a navegação
da palavra

a impossível
ceifa

de um mor

sentido

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

domingo, 13 de outubro de 2013

Sobre “Ódio”, de Abílio Brito



Foi uma agradável surpresa a descoberta desta obra de Abílio Brito, quase direi que se tratou, por múltiplos factores, alguns de índole estritamente do foro pessoal, de uma vera lufada de ar fresco.

Trata-se de um corpo poético que se estrutura de forma singular, como se nos dissesse sobre estética, sobre a própria visão de estética do autor.

Este livro começa com “Arte contra deus” e termina com “Beleza”. Se tivermos presente que o fim último da estética é o Belo, e é através da arte que tal se pode alcançar, deverá aqui, entre estes dois momentos, existir uma via e inclusive indícios que sustentem e ergam a tal visão de estética que antes referi.

Se repararmos nos ciclos constitutivos desta obra, temos, de facto, essa via. É através dos “Escombros”, título do primeiro ciclo, do caos, da desordem que se colhem as pedras essenciais para a construção do edifício.

No entanto, algo ou alguém tem de colher essas mesmas pedras. Quem o faz é anunciado no segundo e terceiro ciclos deste volume: “Carne viva” e “Ossos”; isto é: o homem; esse ser quantas vezes referido como ser de carne e osso.

E o homem, neste caso o poeta, assume o que procura, a harmonia, ou seja, tal como titula o derradeiro ciclo: o “Amor”; esse valor supremo da humanidade.

No fundo, estamos perante um autor que segue, a meu ver, a lição de Pablo Neruda quando este afirma que, e cito:

“A poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do Homem.” (1)

Digo isto porque, para quem lê, é indiferente o que o autor de facto quer dizer, mas relevante o que o autor lhe diz.

Talvez por isso encontre aqui a justificação para o título: “Ódio”; antónimo de amor.

O poeta diz-me da sua visão do mundo, do seu princípio estético para o surgir ou o alcançar do Belo.

Sei-o, porque o diz, e cito:

“Não escrevo para que me compreendam
Escrevo para ser imortal.” (2)

E é nessa vontade ou desígnio de imortalidade, que este rasura o seu poema, não agarrado a este tempo, mas ao Tempo. Ao Tempo onde a própria Humanidade amarrou a sua História, porque sendo hoje certamente outros os protagonistas, outros os desafios, radicalmente as questões são as mesmas: senhor e servo; como subjugar e como deixar de ser subjugado.

Abílio Brito, numa linguagem precisa, plena de contemporaneidade, dá-nos não só o retrato, pela sua visão, naturalmente, dos dias que nos regem, mas, também, dos outros dias, daqueles que habitam a nossa herança, não só a que herdámos, mas a que legaremos. Volto a citar:

“Conheço-vos bem

Vós, tão somente querendo ganhar a vida
Eu, tão como uma puta aspirando à respeitabilidade
Isto é, a ser lido nas escolas” (3)

Se, aparentemente, nos surgem as questões quotidianas como força motriz do poema, mais força têm estas como sinais evidentes de um programa poético que preconiza valores, valores que transcendem a barreira do Tempo, valores próprios da Humanidade os quais, daí a atenção do poeta, estão cada vez mais sob a forma de uma ténue silhueta, quase diria miragem, nos nossos dias, nesta civilização onde os mercados mandam, onde o capital cego e anónimo domina.

Há, portanto, necessidade, imperiosa necessidade do poeta surgir e afirmar em plena ágora a memória que é e, sobretudo, a memória que deverá ser.

Caso contrário, tal como Abílio Brito escreve no último poema, chegaremos à conclusão de que, e cito:

“Há quem chame beleza a isto

(...)

Beleza?!


Filhos da puta!” (4)


No fundo, o grande desafio não é no plano da decifração estética, mas num plano de acção de índole ética, onde é essencial, citando o poeta:

“Unir os contrários
Atingir o ponto que faz nascer a vida e a obra” (5)

Ou seja: descobrir, de facto, esse monumento essencial que é o amor.

NOTAS:
(1) NERUDA, Pablo – in “Citador”. http://www.citador.pt/frases/a-poesia-tem-comunicacao-secreta-com-o-sofrimento-pablo-neruda-6892 (último acesso a 07.09.2013).
(2) BRITO, Abílio – Ódio. Temas Originais, 2010. P. 61.
(3) BRITO, Abílio – Ob. Cit. P. 32.
(4) BRITO, Abílio – Ob. Cit. P. 65.
(5) BRITO, Abílio – Ob. Cit. P. 55.



sábado, 12 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 5

despoja
as mãos

liberta-as
do vento

o mar
espera

que a vida
em sua palma

sulque
o rumo

de infinito

e solidão

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 4

as redes
lançadas

o que buscam
é um sonho

o eterno
descobrir

de uma chama
efémera

na face
da esperança

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 3

sentir

no voo
da garça

a suave
nudez
do ser

o recolher
da breve
espuma

ao mar
exposto


da alma


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 2

das ondas
o murmúrio

esculpido

no ventre

das conchas

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

terça-feira, 8 de outubro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 1

 


de súbito
o desejo

marés
de sentidos

percorrendo

oceanos

de ternura


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Sobre "Meditações sobre a palavra", de Alvaro Giesta



No início do ano de 2012, surge, sob chancela da Temas Originais, o segundo título da autoria de Alvaro Giesta, “Meditações sobre a palavra”, com o subtítulo de “um tributo a Ramos Rosa, o poeta do presente absoluto”.

Antes deste volume, o autor editara “Onde os Desejos Fremem Sedentos de Ser”, obra em que se estreara a solo, este publicado pela Corpos Editora, decorria o ano de 2011.

Posteriormente, desta feita através das Edições Vieira da Silva, também em 2012, veio a lume “Há o silêncio em volta”.

Destas três obras, onde se nota a oficina onde o poeta burila o trabalho a ser, há, na minha perspectiva, a destacar o título que menciono primeiramente e, sobre o qual, me debruçarei no presente texto.

Em “O poeta”, labor inserido anteriormente em “Cantoário (Antologia)”, datado de 2000, e que ressurgiu em “Prosas seguidas de Diálogos”, António Ramos Rosa escreve o seguinte:

“Ao contrário do que muitos pensam, o poeta não escreve a partir de imagens formadas na mente ou na imaginação. Essas imagens surgem ao nível da escrita, embora correspondam a um imaginário latente no inconsciente do poeta. Daí a primazia do poema como criação originária”. (1)

Um pouco mais à frente, refere que:

“o que determinava, essencialmente, a sua poesia, era a própria criação poética”. (2)

Alvaro Giesta, logo na abertura deste seu tomo, numa nota de autor, avisa o leitor que

“O homem, ao criar, põe no que cria engenho e arte sem estar sujeito a qualquer entidade inspiradora”. (3)

Talvez seja este, também, um dos motivos de o autor abdicar do acento agudo no nome que utiliza para assinar as suas obras, indicando-nos assim de que não é um poeta esdrúxulo, isto é, no sentido de complicar o efeito do seu acto de escritura, antes pretendendo que este surja aos olhos de quem o lê como cristalino, guardando para si, enquanto agente exclusivo do acto criador, a carga inerente de um quase estauróforo.

Por seu turno, este livro, “Meditações sobre a palavra”, recebe, tal como antes referi, como subtítulo “um tributo a Ramos Rosa, o poeta do presente absoluto”.

Tenho como ideia sobre a produção poética de António Ramos Rosa a de uma espécie de poeta solar, daquele que soube entender a sombra, tocar no corpo e olhar para a luz, trazendo de volta o caminho, através da palavra, da aproximação a todas as coisas.

Talvez por isso a palavra em António Ramos Rosa nos apareça como sendo única e inaugural, como produto, tal como nos sugere Alvaro Giesta, de um presente absoluto.

Esta sequência: sombra, corpo e luz; não tem que ver, no imediato, com o Mito da Caverna, de Platão, embora também se pudesse ir por essa via, dado que, no fundo, estamos a falar sobre a possível forma de alcançar o conhecimento, também este na medida do possível, de todas as coisas do mundo, antes tem que ver com o que António Ramos Rosa menciona, e cito:

“O sol é todo o espaço
e toda a vida é sol
dentro de nós
fora de nós

O sol é o único deus
visível” (4)

Mas mais do que um deus visível, mais do que o rosto, nós sabemo-lhe o nome. E sabemo-lhe porque soubemos construir uma palavra que o representasse em nós, porque o sol em si, tal como um grão de areia, ou qualquer outra coisa, não carece de palavras, simplesmente são, mas não o são, no entanto, para nós, na medida em que sentimos a necessidade de indagar sobre todas as coisas do mundo e, para que tal ocorra, precisamos das palavras.

E é exactamente isto, na minha leitura, naturalmente, o que está em causa no presente volume de Alvaro Giesta, “Meditações sobre a palavra”, o saber que a palavra em si pode e deve ser mais do que a palavra para cada um de nós, inclusive para o próprio, daí a utilização da linguagem poética, registro esse onde a palavra adquire valores diversos aos que comummente lhes são atribuídos.

A palavra é aquilo a que, colhido como sombra, urge saber-lhe do corpo, quase direi, tal como Teixeira de Pascoaes, que

“a Palavra é uma Criatura; tem, portanto, a sua anatomia e a sua psicologia, dignas do amor, do respeito e carinho que merece tudo o que vive” (5)

e, após tomarmos consciência de tal, saber que, se há sombra, se há corpo, algo lhe toca, algo permite o seu desenho, isto é, algo o afaga com luz.

Alvaro Giesta traça-nos o poema partindo, porque o demanda, do que radicalmente nomeia a coisa, que em sombra nos é apresentada, para o trabalhar, retirando-lhe os excessos, levando, direi, ao osso, ao mínimo, ao essencial para que o corpo, ele próprio, na palavra se possa vislumbrar para, posteriormente, saber da via, o ter consciência que o poema pode e deve ser luz, citando-o:

“e o conhecimento a iluminar
quando
do seio da terra nasce a criatura” (6)

A palavra deve ser procurada porque

“a palavra é!
está
no altar-mor que lhe é devido” (7)

para que o poema, tal como uma escultura, que nasce do ventre de uma pedra em bruto, seja o revelar do corpo que nessa mesma pedra estava oculto.

Tal efeito só é possível se o artesão dominar o uso dos artefactos e souber das próprias propriedades da matéria a trabalhar.

Creio que estamos perante um poeta que demanda, dia após dia, no recato da sua oficina, o desvelar dos segredos do seu mister e esta obra, porque medita sobre matéria e utensílios, diz-nos exactamente isso. E o seu autor, mui certamente, sempre que um dos seus objectos se descobre no seu corpo exacto, imitará a sombra quando esta se inclina

“à passagem da palavra acabada
de nascer”. (8)


NOTAS:
(1) ROSA, António Ramos – Prosas seguidas de Diálogos. 4 Águas Editora. Faro. 2011. P. 22.
(2) ROSA, António Ramos – Ob. Cit. P. 22.
(3) GIESTA, Alvaro – Meditações sobre a palavra. Temas Originais. Coimbra. 2012. P. 9.
(4) ROSA, António Ramos – in Rua Larga, Revista da Reitoria da Universidade de Coimbra. Número 15. Universidade de Coimbra. Coimbra. Janeiro de 2007. P. 67.
(5) PASCOAES, Teixeira de – in “Observatório da Língua Portuguesa”. http://observatorio-lp.sapo.pt/pt/ligacoes/sitio-de-interesse1/historia-d-lingua/teixeira-de-pascoaes (último acesso a 01.09.2013). Com indicação bibliográfica: “Teixeira de Pascoaes, «A Fisionomia das Palavras» (1911), in A Saudade e o Saudosismo, Lisboa, 1988, p.18.
(6) GIESTA, Alvaro – Ob. Cit. P. 51.
(7) GIESTA, Alvaro – Ob. Cit. P. 31.
(8) GIESTA, Alvaro – Ob. Cit. P. 30.

domingo, 6 de outubro de 2013

Gratidão

De facto, só posso agradecer e dizer que amo, mas sem rodeios ou ironia, os meus inimigos e, sobretudo, os meus "amigos". É graças a estes que sei dar o real valor aos meus verdadeiros amigos.

sábado, 5 de outubro de 2013

"Canto de Diáspora", hoje, em Lisboa

Hoje, em Lisboa, ocorre o lançamento da nova obra de Manuel C. Amor, um dos bons poetas que tenho o grato privilégio de conhecer. O livro tem como título “Canto de Diáspora” e é o primeiro de uma série criada pela Temas Originais denominada por “Vozes de Angola”. Considero que há dias de sorte e o dia em que esta obra bateu à porta do eu-editor foi, sem dúvida, um desses dias. Dia esse que escapou à tempestade que foi o meu último ano.

Bom, mas vamos ao que importa. Como referi, hoje há esse evento, o qual acontecerá, pelas 20 horas, no Centro InterculturaCidade, que se localiza próximo do Parlamento, na Travessa do Convento de Jesus, 16 – A. Passe por lá, vai ver que valerá bem a pena.


Tenho o Manuel C. Amor como um verdadeiro guerrilheiro pelo uso que faz das palavras. Para ele o poema não é imune ao mundo que o circunda, antes se deixa contaminar por aquilo que observa e sente, tendo o Homem maioritariamente como o tema base da construção do texto. Mesmo quando nos soa a catarse, há como que uma transfiguração, uma espécie de abraço, uma universalização. Para mim, pessoalmente, é um dos tais autores que bem merecia uma atenção por parte da crítica.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Sexta-Feira, 4 de Outubro de 2013

Foi também numa sexta-feira, mas do ano de mil novecentos e sessenta e oito que sai do ventre da minha mãe. Assim, hoje, dia quatro, assinalo o início de mais um ano de vida, o meu quadragésimo-sexto, isto é, hoje comemoro os quarenta e cinco anos de existência. Também neste domínio da contagem do Tempo sou diferente dos demais. Considero não o ano civil, mas o ano que é balizado por aquela que é tida como a minha data de nascimento, que o nascimento em si é outra coisa bem distinta. Talvez neste novo ano me refira a esse meu conceito. Hoje não, hoje é dia de ultrapassar limites. Cumprir uma tradição que surgiu aos dezoito e que se tem prolongado pelos tempos. Que este novo ano seja melhor do que o anterior. Julgo que pior é impossível que seja, mas logo se verá.