Há um ano, morreu o poeta irlandês Seamus Heaney, Nobel da Literatura em 1995. Tive a oportunidade de o conhecer aquando da distinção que a minha obra "O guardador das águas" mereceu por parte do juri do Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá, em 2004. Da curta troca de palavras, sempre bem disposta, no Palácio de São Marcos, recordo o que me disse, que tinha de ganhar todos os prémios. Respondi-lhe que sim, inclusive o Nobel. De imediato, disse: "of course". Recordando esse instante, e prestando homenagem ao poeta, deixo aqui um curto ciclo sob epígrafe, que foi publicado na Revista Oficina de Poesia 8 & 9 (Palimage, 2007).
Did sea define the land or land the sea?
Seamus Heaney
1.
o mar entoa a voz da distância
na clausura de um búzio
nada tem
definitivamente
de seu
talvez uma escassa sílaba
que escapa
como a areia da praia
onde se entrega íntegro
por entre os dedos de uma criança
2.
a terra entende
o secreto idioma do mar
a sua linguagem depurada
como ária que entre os rochedos
se eleva
na conquista das aves
no fascínio do voo
3.
e regressa o mar
ao corpo da terra
busca a contemplação
do rosto
que embora alheio lhe pertence
espelho que é
porque só renasce no olhar
que demandando o pronuncia