domingo, 21 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 21


21.

no entanto
as entranhas brilham
sobre as águas

como quem morre
pleno

submerso
pelo hálito da beleza

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

sábado, 20 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 20


20.

repara no sol
que se deita
sobre as águas

estas dilaceram-lhe
o corpo de caçador
que se fez presa

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

sexta-feira, 19 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 19


19.

há um requiem
na palavra
àgua

a que repousa
e se eleva

das mãos
de diana

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

quinta-feira, 18 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 18


18.

mas a beleza
não se ilude
ou furta

decifra-se
como a oculta
face da lua

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

quarta-feira, 17 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 17


17.

se tróia
fosse
aquela mulher

actéon
seria sinon

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

terça-feira, 16 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 16


16.

sussurram pedras
ervas

os potros soltam-se
sobre as palavras

quando o corpo
treme
por ousar

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

segunda-feira, 15 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 15


15.

de súbito
o olhar
é ensejo

de água

na carícia
da pele

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

domingo, 14 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 14


14.

ver diana
é mergulhar
nos mistérios
das águas de barém

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

sábado, 13 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 13


13.

abrem-se as cortinas
quando à janela
o cântico da luz
é uma serenata

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 12


12.

diana
é o corpo
do poema

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 11


11.

sem palavras
somente o olhar

como botticelli
em nascimento de vénus

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)



quarta-feira, 10 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 10


10.

o púrpura veste o relógio
que grita
o declínio do dia

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)


terça-feira, 9 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 9


9.

esculpe-se
impreciso
o desígnio

o instante
do corpo
que à luz
se revela

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)



segunda-feira, 8 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 8


8.

beliz
do dia

a flor
revelada

rente
ao olhar

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

domingo, 7 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 7


7.

o trilho
invade
os murmúrios

que as águas
acordam

entre o pó
e a memória
das sandálias

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)


sábado, 6 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 6


6.

da flecha
a fuga

servo
o cervo

pronuncia
a palavra

o mote
da morte

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)



sexta-feira, 5 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 5


5.

pelas fímbrias
das folhas

desfolha-se
o sol

no sólio
das manhãs

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)



quinta-feira, 4 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 4


4.

relincham
águas
na distância

agrilhoadas
palavras

para a fluência
do olhar

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)




quarta-feira, 3 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 3


3.

as amoras
respiram
em cada passo

trazem
o hálito do estio

a urgência
da dádiva

pela iminência
do outono

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)


terça-feira, 2 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 2


2.

trago o arco
suspenso
no gesto

e o olhar
preso à presa

como corola
na surpresa da luz

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

segunda-feira, 1 de junho de 2015

de "Instantes de Actéon" - 1



1.

o caminho é este
o que se faz

não outro

o tórax
responde

somente

pelo ar
que se cativa

in "Instantes de Actéon" (Virtualbooks, Brasil, 2008)

sábado, 9 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 9.º Ciclo


IX

falar para a lua 
pelas janelas da noite 

Xanana Gusmão

1.

enumero as palavras colhidas
nos riachos da memória
e sinto a fogueira
acesa sobre a pele

há estrelas
cintilam nas janelas do poente

em breve
a noite abrirá
as suas portadas
para revelar o breu

2.

talvez a lua saiba
por que lábios
se desenha
a palavra sede
no ventre das marés

3.

trago as armas
sílabas que se ocultam
na dobra das estrofes

como um sereno arado
que sulca as vias
para uma safra de assombro

4.

a terra reclama e acolhe
o próprio fruto

não há claro ou escuro

tudo é parte de um êmbolo
em constante movimento

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 8.º Ciclo


VIII

As palavras do nosso dia
são palavras simples
claras como a água do regato

Alda Espírito Santo

1. 

no côncavo de um verso
a água repousa
serena

aguarda pela sede de uma sílaba
de passagem

2.

um só acorde acordaria
o espanto da noite

uma ave que cruzasse as mãos no erguer
da casa

ou um filho que viesse
dobrar o horizonte
onde o olhar do pai
repousasse

3.

porque é simples a palavra
com que se molda o dia
e frágil o sentido
das coisas mais belas

um pão nas mãos da fome
um ribeiro na boca da sede
uma ilha no olhar de um náufrago

por que feres os passos
e traças a sangue
a via do poema

4.

rendo-me ao caminho
teço o verso que me falta

vem do segredo da terra
da música das águas

das simples palavras
com que amasso o pão

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

quinta-feira, 7 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 7.º Ciclo


VII

Havia um homem que corria pelo orvalho dentro.

Herberto Helder

1.

foram as mãos regidas pelo olhar
que atearam na voz
o fogo
que nomeara
a primeira das manhãs

2.

o orvalho desenhara uma cortina
sobre a ampla
janela da alvorada

descia pelas fímbrias de um gesto
como um homem que contempla
o brotar de um novo dia

3.

reside o poema
naquele breve escasso
vislumbre
como uma janela
que se abre simples porque plena
para a morte

4.

e um homem corre
rio enfim liberto
das margens
para sorver do sal
os lábios da lua
o ventre das marés

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 6.º Ciclo


VI

Tenho que arder
Queimar tudo com o fogo da minha combustão.

José Craveirinha

1.

guardo os gestos os nomes
os utensílios

trago-os na algibeira

são cinzas que as mãos remexem
restos
desta imensa fogueira que é a vida

2.

escuto as sombras
que se arrastam pelo pó

ardem
no mistério das horas
que virão

3.

nada em mim é efémero
tudo permanece
rente à pele

queima
com os passos dados
na invenção do meu próprio caminho

4.

sou filho fruto desta árvore
que se entrega
sem rancor
aos lábios do fogo

meu destino é arder
aprender
a língua secreta das sementes
que em cinza em mim germina

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

terça-feira, 5 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 5.º Ciclo


V

Canto as mãos que foram escravas
nas galés

Julião Soares Sousa

1.

aos vindouros
deixo as anotações deste meu tempo
e do tempo
que me moldou

vestígios
da minha memória

porque é a única
a verdadeira
herança que importa deixar

2.

habita na minha voz
o arrastar das correntes
o rumor da sanzala

mas canto
canto as aves o mar
com a música da terra
onde deixei o meu olhar

3.

e canto as lágrimas
punhais cravados na face
do meu povo

e canto a esperança
o riso das crianças
do meu povo

4.

conheço o silêncio
das horas amargas

as mãos rentes à face
ocultando o olhar

mas sei também das sílabas
que em música se erguem das cinzas
no orgulho de resistir

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

segunda-feira, 4 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 4.º Ciclo


IV

Que as mans collan cinza
das sementes do ar

Xavier Seoane 

1.

ardem as mãos na demanda
julgada impossível
de colher nas cinzas
de uma pompeia projectada

mas sonham as mãos
o oculto corpo que se revela
na informe face do silêncio

2. 

porque há um barco
na deriva do mar

remos
na luta das correntes

mãos
entregues a uma voz
que só a terra sente

3.

e há uma pedra
qual muralha em redor do desejo
que de súbito tomba
sob a persistência
do vento

4.

colhem-se cinzas das sementes
do ar

palavras que acordam na voz
como um grito

ou um poema

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

domingo, 3 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 3.º Ciclo


III

As rochas gritaram árvores no peito das crianças

Corsino Fortes

1.

sabia de um cinzel
distante
que partira qual ulisses
para escrever o seu regresso
com a caligrafia
exacta de um grito

2.

um dia aprendera o valor
das palavras puras
e plenas
do voo das aves
no esboço de uma ilha

3.

há uma jangada
na descoberta da voz

um grito
nado na boca das amarras

4.

aproximou-se
sentindo a respiração
das rochas
rente aos pulmões do mar
onde uma criança brota
das árvores de espuma
que se recolhem
junto aos pés do areal

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

sábado, 2 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - 2.º Ciclo


II

O mundo é grande e cabe 
nesta janela sobre o mar. 

Carlos Drummond de Andrade

1.

o mundo é como esta árvore frondosa
que se ergue altiva frente à casa
da minha infância

mesmo distante
ainda lhe descubro
a fragrância dos frutos

e recordo a sua sombra
onde adormecia o sol
nas tardes de estio

2.

talvez a árvore seja só imagem
retrato incrustado
nas paredes da minha memória

mas a árvore existe
ainda reside no olhar
que habita a janela da casa

3.

aprendi
com o passar dos dias
que as mãos vão para além
do que entre elas possuem

mergulham
no próprio mistério do ocaso
como parteira
que no breu procura
o que a luz deseja

4.

e o mar
testemunha de aventuras
de arquipélagos
que só os sonhos sabem da existência
mansamente
se recolhe no ventre de um búzio

aí diz que o mundo todo
habita nesta janela
onde a criança esculpe o próprio o espanto

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

de "Nove ciclos para um poema" - epígrafe e 1.º Ciclo

 


Minha pátria é a língua portuguesa

Bernardo Soares


I

mereço o meu pedaço de chão.

Agostinho Neto

1.

não há palavras proibidas
todos os sons são livres de voar

2.

ao longo dos anos
semeei versos
como passos no caminho
que chamei de meu

alguns ainda os trago comigo
são o meu legado
o meu quinhão

meu naco de chão

3.

um dia colherei da primavera
as fragrâncias dos versos
mais subtis

como uma folha em voo
no pico do meu outono

neste chão que conquistei

4.

mereço este meu chão
esta palavra
pedra erguida que afronta o medo o mar
que teima em convocar
tambores
de ritos ancestrais
de aras onde o cordeiro se entregava
ao gume do silêncio

mereço este meu chão esta palavra
este meu pomo de liberdade

in "Nove ciclos para um poema" (edium editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011) - Prémio Literário da Lusofonia - 2007, organizado pela Câmara Municipal de Bragança 

sábado, 18 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 35 e 36


entrega-se o corpo
ao jogo das sombras

desenham-se desejos

há um copo de vinho
no cume da lareira

brilha e baila
rubro
no corpo da chama

a sombra

*

escreve-se sobre a terra
o movimento perfeito

uma ave
desenhando uma elipse
mesurando o universo

ou a música
o cântico iluminado de uma flor

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

sexta-feira, 17 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 33 e 34


este é o parto anunciado
as mãos que lhe afagam a face

das entranhas
a forma surge plena

casco
proa
mastro

palavras navegantes
nadas da seiva
como fonte inaugural
de um verso

*

a noite
é uma aguarela
suspensa no olhar dos rios

entre a folhagem de uma árvore

no canto deliciado
de um sereno vento
de visita

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

quinta-feira, 16 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 31 e 32


a saudade

que se veste de azul
em seu olhar vegetal
moldado pelo vento

é desenhada pelas aves
quando esboçam a partida

*

quem a plantou
sonhara com seu destino

dera-lhe corpo de barco
corpo de cinzel

que enseja
depurar as ondas

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

quarta-feira, 15 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 29 e 30


conjuga-se o verbo terra

onde antes fora ferida
de enxada
agora é raiz

veia que indaga
o coração da água

*

os pássaros semeiam o desejo
da viagem

da distância

no frondoso corpo
de uma árvore

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

terça-feira, 14 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 27 e 28


agora é o ágolo
que leva o peso
dos tempos
das memórias

árvores
gestos vorazes do fogo

qual esponja que na ardósia
apaga o nome
da própria infância

*

escuta

o vento passa célere
rente ao dorso da semente

como se inventasse um caule
o devir de um corpo

a palavra inaugural
do próprio poema

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

segunda-feira, 13 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 25 e 26


enquanto o sol aprende
as canções da erva

sobem aos pastos
os rebanhos

*

é súbito o acordar
da música

os seus acordes de orvalho
ascendem
nos passos dados

em silêncio
rumo ao planalto
pelo pastor

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

domingo, 12 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 23 e 24


cada palavra traz o vento
no seu ventre

despede-se da boca

em voo

*

observo as folhas que se despedem
do corpo das árvores

descrevem a queda

um voo
no dorso do vento

que as aguarda e acolhe

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

sábado, 11 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 21 e 22


o que antes eram destroços
ruínas
vestígios de passos apressados
dados e perdidos
ao longo dos anos
agora ganhavam
a coloração pura de um sorriso

morangos amoras nêsperas
a surpresa de um sabor
a descoberta de algo
que se julgara
irremediavelmente
perdido

como se fosse um álbum fotográfico
em que cada foto
nela trouxesse
para além da imagem
nela cativa
uma oculta história
urgente a contar

*

canto o parto do outono

as folhas
em ânsias de voo

a melodia
da chuva na vidraça

ou a voz
na lareira renascida

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

sexta-feira, 10 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 19 e 20


nega-se a escrita da pedra
o epitáfio
a palavra fim

o nome da eterna saudade
entre margens

duas datas
dois marcos geodésicos

a viagem inscrita
na face dos caminhos

nega-se o destino
das cinzas

como se procurássemos
soluções
para adiar o inadiável

*

é nestas casas
nesta aldeia

onde a infância regressa
entre o fumo ascendente da lareira

que decifro o mistério da morte

compreendo os rios
e o seu desejo de sal

a conjugação do sol
no dorso do poente

desenha-se o regresso no momento
da partida

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

quinta-feira, 9 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 17 e 18


recolho o rio
traço azul sobre a parede

a música
do seu passar sulca a cal
por onde o sol se revê

vendo-o
recordo a frescura
das suas águas

o estio flui nas veias da memória

*

a enxada engravida a terra

extensa
a pele abre-se

indaga-se
na urgência da semente

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

quarta-feira, 8 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 15 e 16


da alvura da farinha
recordo o encanto da água

as mãos criando
conjugando
a morte da fome

e o forno quente
clamando a fecundação
de seu ventre

e a fragrância afagando
as arestas da casa
esculpindo a memória
em negros traços de alegria

*

a cinza o círculo desenha
na face do pó

bem sei
é na sede da terra
que se esboça
o nascente e o poente
do próprio sol

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

terça-feira, 7 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 13 e 14


sinto nas mãos
o baraço de um pião

este roda
rodopia

no pátio
desenha a ilusão

o mundo inteiro
na palma da minha mão

*

remendados os bolsos riem como
loucos

têm a sageza
do tempo

e a alegria
de caricas e berlindes
de fisgas e piões

têm na memória
índios e cowboys
polícias e ladrões

remendados
os bolsos riem
dos buracos que têm

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

segunda-feira, 6 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 11 e 12


todos partem

emoldura-se de pó
a distância

uma lágrima
cumpre o seu mistério
descendente

quem regressa
serenamente aguarda
a estação das colheitas

conjuga as cinzas
com o verbo da terra

*

na boca do vento
as silvas pronunciam
o hálito das amoras

lambem os muros
na ardência das sombras
no jogo do sol

festejo a chegada das aves
riachos correndo
sulcando as margens
na face das pedras

na boca do vento
encontro o riso das compotas
nos meus olhos de menino

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

domingo, 5 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 9 e 10


vejo a mágica palavra

a primeira desenhada
na minha ardósia

o giz colorido
a mão fugidia

vasco da gama
pedro álvares cabral
fernão de magalhães

caminho
marítimo para a índia
terras de vera cruz
circum-navegando o mundo

tudo tão pequeno

a giz na ardósia meu nome
descoberto
conquistado

*

o tear iluminava-se
o azeite entregava-se
ao fogo

numa secreta melodia
a luz brilhava

entre acordes
o fio inventando o corpo
com que minha mãe desenha
um beijo

a porta de entrada
no mundo dos meus sonhos

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

sábado, 4 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 7 e 8


deitei-me
longa fora a viagem

as estrelas como lençol estendido
aquecendo o olhar

e esta pedra
sussurrando imagens
como a almofada da infância

se o olhar fechasse
sabia
que seria feliz

*

ouço a voz da minha mãe

minha avó fora para os campos
e meu avô
com os rebanhos para os pastos

meu pai elabora a madeira
que gravará os passos
na casa senhorial

minha mãe ficara em casa
canta a roupa estendida
ou o pão do forno saindo

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

sexta-feira, 3 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 5 e 6


a casa

ruínas
que a memória acordava

*

o quarto ali estava
era agora o recanto das aves

em seu canto
ou no alvoroço
de seu voo
reinventavam a jóia

essa
que habitara aqui
neste preciso lugar

chamava-se amor

recordo

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

quinta-feira, 2 de abril de 2015

de "O livro do regresso" - 3 e 4


a distância
vestia-se de xisto

conjugava o verbo da neve
ou da chuva

dentro
a madeira gritava
ainda
o esplendor do fogo

ou talvez uma história

uma criança correndo
em redor de um poema

*

eram brancos os fios desfiados
pelo vento

havia um sabor a sal
impreciso
no olhar

onde as mãos tocavam
sentia-se o fluido
sereno
de uma voz antiga

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Prefácio a "O áspero hálito do amanhã", de Alberto Pereira



Este “O áspero hálito do amanhã”, que tem agora entre mãos, apresenta-se estruturado sob três ciclos autónomos: “Dói-me a utopia”, “Arquipélago da loucura” e “Mordem pincéis nas palavras”. 

Mas esta aparência autónoma é exactamente isso: meramente aparente. É uma ilusão elaborada como hipótese de caminho, de uma via a seguir no processo criativo. Uma demanda em que o criador se veste como usufruidor da criação artística para, posteriormente, proceder à recriação: erguer dentro de um corpo um corpo outro.

Talvez por isso Alberto Pereira tenha escolhido, como epígrafe a este seu volume, um dístico de Pedro Sena-Lino onde este menciona: 

Não somos feitos de pele,
somos feitos de feridas.

algo que nos abre o corpo, que nos incita ao doloroso processo da indagação. Essa dor presente logo no título do primeiro movimento: “Dói-me a utopia”. 

Mas que dor é esta que a ferida em nós desperta?, é, na minha leitura, a dor essencial vista como purificadora da oficina para que o processo criativo se possa iniciar.

Não sei como dizer-me que és um hemisfério de desejo
afogado na nudez da memória

Pelo que a ferida de que somos feitos radica no centro de nós, a nossa própria memória, espaço privilegiado para a edificação da obra sentida como “hemisfério de desejo”.

No entanto, não basta preparar o espaço e deter a consciência da possibilidade do erigir em obra o que em si, “na nudez da memória”, se intui existir. Há portanto que possuir os instrumentos e a estes atribuir as funções necessárias para dar continuidade ao processo criativo.

Surge-nos então o “Arquipélago da loucura”, conjunto de corpos, como a própria palavra arquipélago indicia, cada um com as suas especificidades, mas que formam um todo. 

Mas este é um todo em mutação, onde “a abrupta harmonia na quietude do imperceptível”, que se descobre quando “O tempo acende o sono dos sorrisos e a cada dia que passa nascem ilhas”, novos artefactos porque novas são as necessidades para o desvelar da obra, é um arquipélago que cresce a cada passo sob o olhar atónito do criador.

Há a oficina e os instrumentos e a obra surge no derradeiro movimento: “Mordem pincéis nas palavras”. O que aí leio é um contínuo diálogo, quase intertextual com os mais diversos quadros, imagens que foram reavivadas, resgatadas à memória.

Aí Alberto Pereira lança mão ao que elaborou anteriormente para nos trazer uma partilha, não de meras impressões, mas, tal como mencionei, do que é fruto de um intenso diálogo com o objecto de arte, o que desta existia em si e do seu próprio contexto.

Um criador, que assume a função da fruição, do outro em si, para erguer, recriar e nos brindar com este “Áspero hálito do amanhã”. 


Coimbra, 25 de Outubro de 2008  


in PEREIRA, Alberto - "O áspero hálito do amanhã". Edium Editores. 2008

de "O livro do regresso" - 1 e 2

 


é outro o olhar que nasce
no poente

embora de asas feridas
cansadas

voa rente ao espanto
ou da semente
de onde outrora partira

*

no dorso do vento
pelos caminhos do monte
viajam frágeis vestígios
de um cântico

ou de um poema
de súbito bordado a oiro
pelas bátegas
céleres mas suaves
do sol

in "O livro do regresso" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2008); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, 2011) - Prémio de Poesia Raul de Carvalho - 2005, organizado pela Câmara Municipal de Alvito


quinta-feira, 26 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 51 e 52


XAVIER ZARCO

onde o poema cessa
outro poema
nasce

como se um abraço
se desenhasse em cada braço
que enceta
um movimento circular

*

É nas mãos que nasce o gesto

Xavier Zarco

É nas mãos que nasce o gesto;
onde reside o fogo de criar
na frondosa árvore a caravela.

Sentir, na seiva, a carícia,
o cântico do vento
pelas veias vegetais.

Observar o destino das raízes
e, por elas, aprender
o ofício navegante.

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 25 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 49 e 50


WILLIAM BUTLER YEATS

e há uma árvore no meio
da floresta

ninguém escutava as palavras
que se desprendem
de seus ramos

muitos ocultavam
o seu sereno cântico

havia quem a quisesse
ferir de morte
derramar
o seu imenso corpo sobre a terra

mas ninguém
ninguém calará o poema
quando nasce
no próprio corpo do vento

ninguém decepa a palavra
quando o sol
em sua corola se abriga

*

I have spread my dreams under your feet

William Butler Yeats

semeio meus passos e sonhos
pelos caminhos

sobre o pó repousam

aguardam a passagem de outros passos
para que meus passos e sonhos
se elevem

semeio como quem deseja
mais que passos ou sonhos
somente meus

há tantos passos e sonhos
a ser dados e sonhados
que outros mais

para mim e para ti
quero semear

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 24 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 47 e 48


ZHANG KEJIU (XIAOSHAN)

no cimo da montanha
a águia vigia as árvores
semeadas
pelos discípulos de confúcio

cada uma à sua guisa
leva-me
para a serena contemplação
de um poema

o regaço de um rio
a altivez de uma muralha
o segredar
de uma palavra oculta

ou a limpidez
de uma aguarela onde o olhar
se desprende
para o mistério da viagem

*

um passo basta para vencer o vazio

Zhang Kejiu (Xiaoshan)
Tradução de Albano Martins

observo as gaivotas no rio
as crianças correndo no jardim
e pergunto-me
onde fica e o que resta do vazio

deixo o saco as palavras que sobraram
num canto qualquer
e parto rio abaixo no sorriso
das crianças

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 23 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 45 e 46


WALT WITHMAN

deste as próprias veias ao canto
do homem simples

do que abre fronteiras
com o sangue do seu sonho
do seu corpo

com ele dormiste
tendo as estrelas como confidentes
do murmúrio das ervas

do seu cântico em coro
de uma esperança
tão próxima como longínqua

mas este era o teu sangue
e este o teu destino

palavra a palavra tecido
vivido e sentido
na semente de um poema

*

I am the poet of the body,
And I am the poet of the soul.

Walt Whitman

há uma artéria
(sinto a sua serena presença)
que irriga a alma de sangue

um vínculo
um cordão umbilical
do corpo à alma

decifrar as secretas
vias
é o desígnio desta voz

que emerge do poema em construção

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 22 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 43 e 44


CESÁRIO VERDE

Gosto do alexandrino, da sua ruptura:
A arte de respirar no centro do poema.
E a cidade, os costumes, a quase aldeia
Em tela iluminada em fina partitura.

Ah! Cesário Verde, como é natural
Cada verso, cesura nada em tua lavra!

*

O seu olhar possui, num jogo ardente,
Um arcanjo e um demónio a iluminá-lo

Cesário Verde

percorre o olhar
os campos dos espelhos

de dentro
uma outra face surge poderosa

iluminada de poente
em plena aurora

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 21 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 41 e 42


GIUSEPPE UNGARETTI

pode o mundo ser este mosaico
que se despede
lentamente de um olhar

podem estas palavras
serem as ruínas
de um poema jamais lido

mas o mundo e as palavras
com que erguemos o poema
somos nós

assim
aprende e crê
não há fim mas recomeço

*

M’illumino
d'immenso.

Giuseppe Ungaretti

as palavras entoam os acordes
do gesto debruçado sobre a terra

há um varandim preso ao decifrar
do segredo dos dedos em carícia

e uma pena suspensa sobre o mar
iluminando a face do poema

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 20 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 39 e 40


MIGUEL TORGA

tinha de ser flor
nada em rude pedra

em cada dobra
se seus poemas
se descobre
a prece de um voo

um mapa
de indagação solar

na epiderme
de todos os sentidos

*

Falavas, e era música na terra

Miguel Torga

escreveram-te poeta
no mais belo
papel timbrado do mundo
em carta registada com aviso
de recepção

anunciava oficialmente
a morte da poesia

como cigarra
na fila do desemprego
escutavas a voz das formigas
servos da gleba
dos mercados bolsistas

aí soubeste que o poema
era uma arma
uma canção que tinha urgência em ser ave

e subindo ao coreto da esperança
cantaste o nascimento de um poema

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 19 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 37 e 38


JORGE DE SENA

abre-se a fenda
uma ferida exposta na pele
do templo do tempo
das palavras

há um fogo
que matiza suas pedras

um livro nado
e resgatado
de um gesto inicial

uma história
que só nesta era tinha
mais de dois mil anos

uma palavra nova
arremessada
pela íntima fúria

a paixão das coisas
que as mãos erguem e suportam

*

E regresso um pouco triste a uma alegria imensa

Jorge de Sena

ulisses é a viagem
penélope o regresso
ítaca a partida

o que nos aguarda
senão o desígnio
da viagem

de um mar por cruzar
de um silêncio a habitar

cada instante é um rasto
uma pegada

a secreta
cartografia de partir
e regressar

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 18 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 35 e 36


ANTÓNIO RAMOS ROSA

onde o gesto nasce abre-se o livro
a cada gesto corresponde
o nascimento de uma sílaba

ao ourives o ofício
do filigrana

ao poeta a música
a musa dos sentidos circundando
gravitando
em torno do ouro

a palavra inaugural

*

Se escrevo é porque nunca vejo mesmo quando vejo

António Ramos Rosa

escrevo na margem
vegetal
do silêncio

onde o silício se eleva
na fragilidade
da memória

e as mãos devoram
a matéria dos sonhos

entre as fragrâncias
breves
de um olhar

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 17 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 33 e 34


ANTERO DE QUENTAL

brilha o voo nas asas de um açor

em redor a aguarela
pinta-se de azul

seria mar
se o olhar
não se perdesse ao longe

onde habitam as sílabas
ondinas que cantam
a seiva do poema

*

Também me busco a mim... sem me encontrar!

Antero de Quental

espelho que me aguarda
e não encontro

sou narciso em busca
de meu rosto

escuto as águas
seu murmurar inconstante

mas longo é o caminho
para as afagar

mas persisto peregrino
do meu próprio destino

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 16 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 31 e 32


TEIXEIRA DE PASCOAES

há palavras
e gestos nas palavras

um fio de vida
dependurado em cada verso

e um poema que escapa entre as arestas
de uma página
e esvoaça em torno
da luz de um olhar
e este percorre
para além do visto
da aparência das coisas

há palavras
e gestos nas palavras

um fio de vida
que se revela
no secreto ventre
do horizonte

*

Sou pedra que se funde, mal lhe toca
Um ai de dor, um beijo, um sopro etéreo

Teixeira de Pascoaes

o que sou ou fui
ou serei

o que importa o tempo

a pedra ergue-se ao vento e não se importa
que sua carne seja rasgada
pelas suas unhas

como a pedra
também o tempo passa por mim

cumprimento-o
e sigo viagem

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 15 de março de 2015

Prefácio a "Metamorfose do corpo", de Eduardo Montepuez



Este título: “Metamorfose do corpo”; da autoria de Eduardo Montepuez, convoca-nos para uma peregrinação plena de dualidade. Se por um lado o autor, nesta sua estreia em livro, nos traz uma percepção sobre o que rodeia e altera o corpo, por outro nos sugere essas mesmas alterações de dentro. Isto é: como se o mundo das ideias, tal como defendido por Hegel e o mundo material definido por Marx confluíssem nesse espaço metafórico do corpo, corpo em metamorfose, em constante devir.

Da assumpção do abandono, presente logo na abertura, com o assumir do eu, quando refere: “Abandonei o ventre de minha mãe”, esse abandono é justificado com a necessidade da deriva. Fê-lo porque era preciso: “beber os ensinamentos da luz”, entendida como vida. Mas a vida é “o caminho” porque esse é que “fez-se em luz”, seguindo a ancestral lição de Antonio Machado.

Eduardo Montepuez vai-nos levando e desviando por esse caminho, sem que o caminho em si se altere, antes é o corpo que sofre a influência desse caminho, não só por acção deste, mas também por acção do que em si, no íntimo, se vai desvelando.

Se de súbito o poeta afirma: “O murro é a força motriz / Do parto no poema que nasce”, acção exterior no corpo em mutação, logo nos diz que “o poema nasce no âmago do poeta” como se nos enunciasse a precisão do íntimo para a consumação da transformação.

Ler este “Metamorfose do corpo” é encontrarmo-nos perante uma navegação rente ao corpo físico e ao corpo poético porque, observando-os, imaginando-os, tal como escreve o autor: “o Corpo faz-se no tempo / enquanto o poema se afirma no gesto”.


Coimbra, 17 de Maio de 2010


in MONTEPUEZ, Eduardo - "Metamorfose do corpo". Temas Originais. 2010

de "Poemas com rosto" - 29 e 30


ALEXANDRE O’NEILL

        Uma conhecida
  mosca voa
  em Lisboa.
E a vida,
  e seus novelos,
  passa despercebida,
como a mesa servida,
  pelos meus cotovelos.

*

Folha de terra ou papel
tudo é viver, escrever.

Alexandre O’Neill

o que é um poema
uma maçã na boca de uma estrofe
as amoras nas sílabas do verso

o que são as mãos
na invenção da colheita
no recital das estações

sabes por onde me perco e escuto
a pronúncia da terra
é onde aprendo a viver

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 14 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 27 e 28


LUÍS MIGUEL NAVA

é no corpo
que o poema nasce

flui célere
na depuração
dos sentidos

como um rio
que cinzela
as próprias margens

*

Todo ele estava torcido para dentro da memória

Luís Miguel Nava

um nome
é um silêncio em grito
tecido
na epiderme da memória

um rosto
é o esplendor da luz
que de dentro jorra

um nome e um rosto
um poema em construção

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 13 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 25 e 26


ANDITYAS SOARES DE MOURA

o carteiro
mais ou menos
chega sempre à hora certa

traz no saco a tiracolo
novas da distância

de outro tempo
de outra memória

de palavras com música dentro
sílabas
veias ancestrais
onde o novo sangue floresce
eclode na voz de um jogral
na corte
da própria poesia

*

Em um instante: perder as nuvens

Andityas Soares de Moura

frágil é o verbo
que sustenta o poema

raro e precioso

como uma nuvem
ou um vitral
no desfiar do sol

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 12 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 23 e 24


ALBERTO DE LACERDA

traga-se ou traja-se o sol
nas palavras
nas imagens

cada verbo
é um gesto iniciado
num sereno desejo

de ser luz

*

Esclareço a água que envelhece as pedras

Alberto de Lacerda

desbravam as mãos
o ventre da água

decifram
os seus caminhos de sal

talvez um dia as pedras
digam das suas confidências

lágrimas de pedra
à flor das águas

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 11 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 21 e 22


RUI KNOPFLI


para cada homem
um rio que lhe corresponde

o rui knopfli
trazia o seu na algibeira
junto à fonte dos poemas

não era mondego ou tejo
tamisa ou sena

seu nome era um outro
que não constava na memória
dos literatos

mas guardava-o
no mais suave decote
desenhado entre estrofes

e o observava
no rigor das cãs
que o tempo em si semeara

*

Os músculos e o sangue e os nervos
reaprendem cautelosamente o caminho
que os olhos desvendam no dia claro.

Rui Knopfli

cada dia
é o primeiro dia em que vivemos

a magia das ínfimas coisas
se revela em cada gesto

do botão à rosa
do rio ao mar

cada pedaço do mundo
é um naco de pão

há que prová-lo
para aprender a amá-lo

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 10 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 19 e 20


GUERRA JUNQUEIRO

simples é a alma que a seu jeito
plena se descobre
em sua voz

e num gesto de partilha
semeia versos
ventos de mudança

porque onde antes
era erma terra
agora é verde prado

onde as flores insistem em medrar

*

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida...

Guerra Junqueiro

tenho entre as mãos um veleiro
de papel
onde adormeço as palavras
e os temporais

no seu bojo naveguei
por símbolos
e imagens
que a custo decifrei

mas sempre que meu olhar
acordou
era novo o mundo
e nova a cifra

tenho um veleiro de papel
frágil
como uma pétala
ou um poema

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 9 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 17 e 18


JUANA DE IBARBOUROU

queda-se o corpo
entrega-se
à extrema serenidade
de uma onda que de manso
nos acaricia
a epiderme de areia

as mãos inventam
o súbito enlace solar

urge uma partida
uma chegada
um porto iluminado

um navio no sufrágio
da intempérie

queda-se o corpo
o meu corpo no teu corpo

um poema nado
de um poema

*

un ser que nos contempla transformado en hoguera

Juana de Ibarbourou

uma só voz
que pronuncia o silêncio
habita as arestas do verso
que jamais poderei escrever

arde numa morada
onde meu corpo se entrega
à magia das palavras

como se as recolhesse
e descobrisse sob a sua pele
um imenso mar de sentidos

um mar imenso
onde sinto a urgência
de navegar

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 8 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 15 e 16


HERBERTO HELDER

Onde se esculpe a boca, abre-se a voz.
A madeira revela
o fogo
das palavras.

Estas, como pétalas,
caem sobre as páginas
que rente ao olhar,
em voo,
se descobrem.

*

As barcas gritam sobre as águas.
Eu respiro nas quilhas.

Herberto Helder

imprecisa a aguarela reclama
um só olhar

um só instante sobre as águas
onde o grito se derrama
para que o escutemos

mas eu vou pelas ondas
pela espuma que acorda o areal

ou pelo barco
esboço de vento ou miragem
ao fundo sobre o azul
onde aprendo a respirar

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 7 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 13 e 14


JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES

pergunto o que é uma ilha senão o homem
que a pronuncia

mas um homem não é a ilha

é a jangada que navega
e indaga a sua própria atlântida

por entre o arquipélago
do verbo querer

*

Não sei o que fazer com a pedra

José António Gonçalves

sangra a pedra o cinzel que lhe não toca
que lhe não rasga a pele o envoltório
embora dois olhares se troquem
e se demanda nada a pedra pare
resina-se o escultor a contemplá-la
e contemplada a pedra nada diz
das lágrimas que o oculto corpo chora

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 6 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 11 e 12


JOSÉ FÉLIX

repousa o olhar na pedra
que a forma oculta

as mãos

que iluminam o gesto
e que acordam o cinzel

indagam
a resolução
de um teorema

a palavra

ventre incandescente
do poema

*

depois de um sono doce como a morte

José Félix

esqueçam-me se parto porque quero
se me deito neste leito
e invento uma noite sem fim
ou se me perco neste mar
no sonho insano de ser náufrago
ou se recuso a terra
pendente num ramo qualquer
esqueçam-me estas flores não merecem
esta laje esta sorte este epitáfio
que fenece ao sol nascente

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 5 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 9 e 10


FLORBELA ESPANCA

eviterno
é o poema
que dentro da própria arte
nasce

exacto e perfeito
evoca as mãos
que ao caos resgatam a ordem

e o que surge
é qual flor subtil
que brilha e arde
no verbo sentir

*

Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

Florbela Espanca

quando morre um poeta
o sol sorri

sabe o destino das palavras
que plantou
no coração do silêncio

a sua fome de sílabas
a sua febre de música
outros as decifrarão

o poeta agora é rosa
vê como o sol a beija

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 4 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 7 e 8


EL REI DOM DINIS

esta é a língua em que vos escrevo
em que vos falo

a que flui
célere
nas veias vegetais de cada verso

onde sonho e amo
onde planto a semente de um país
onde ergo a bandeira
de um desejo
ou as asas
de um poema navegante

*

Ai flores, ai flores do verde pinho,
se sabedes novas do meu amigo!

El Rei Dom Dinis

por que parto se promove
o momento da partida

por que instante se esboça
o nascimento da ausência

cada momento é um escutar
das novas da distância

e nada se pronuncia
nos lábios
das flores do verde pinho

nada cintila neste cais
só o sol
que se derrama pelas águas

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 3 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 5 e 6


NATÁLIA CORREIA

mátria
flor silvestre que brota
do coração da terra

não há mão
nem humano pensamento
que a faça germinar

nasce pura
como um sol
que teima em regressar à tez do olhar

assim é teu verbo
rebelde e genuíno
matricial

*

ó subalimentados do sonho! 
a poesia é para comer.

Natália Correia

senta-te nesta mesa onde o poema
como a vingança
frio se serve

sabes bem que um verso come-se
e partilha-se
não se guarda

guardar é esquecer
porque um armário na memória
é um túmulo um sarcófago

e não há arqueólogos de versos
a decifrar as entranhas
da alma desabitada pelo sonho

assim senta-te nesta mesa e sê
a boca onde a voz surge
com asas de poesia

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 2 de março de 2015

de "Poemas com rosto" - 3 e 4


CASIMIRO DE BRITO

do apolíneo curso anoto o seu nascente
um breve traço de mel
dependurado
na janela semi fechada
meio aberta
do meu quarto

docemente
inicia a invasão
lenta
de todos os recantos

a oriente
o poeta ensaia
a criação de um poema

um pássaro o traz
em seu canto matinal

*

Nada te peço, nada. Visito, simplesmente,
o teu corpo de cinza.

Casimiro de Brito


nada te direi

deixo as palavras à porta
sob o tapete

junto de todos os outros versos
que recusei plantar

nada te pedirei

passo por aqui
como se a música nascesse

no teu corpo
no teu corpo de cinza

e de silêncio

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 1 de março de 2015

Prefácio a "Momentos", de Luís Ferreira



“Como é belo o mundo, o canto de um pássaro... / A melodia do sorriso de uma criança feliz.”

Esta citação foi retirada do livro anterior de Luís Ferreira, “Rio de Sal”, a qual, aliás, citei aquando da apresentação dessa sua obra no ano de dois mil e oito.

Insiro-a aqui, nesta nota breve, porque considero-a em falta neste livro. Isto porque este é, na minha opinião, o dístico catalizador do momento, aquele momento mágico que fez o poeta construir este seu “Momentos...”

Luís Ferreira, pela sua acção poética, descende da árvore da tradição mais relevante da Poesia, não só da que se expressa no nosso idioma, o galaico-português, mas de toda a poesia: a da temática amorosa.

Demandando através das palavras a decifração do amor, surge-nos agora, não com uma visão do rio que passa e desenha o seu próprio caminho, mas com o instante.

Cada poema ergue-se como esboço. Nasce para ser uma peça de puzzle que, gradualmente, ganha a forma, talvez do seu “Mar de Sonhos”, expressão com que titula o seu blogue.

Leio este “Momentos” como a incansável procura da tal “melodia do sorriso de uma criança feliz”, peça a peça esculpida através do ofício poético. Porque criança é o mais expressivo signo de criação, mas também imagem de revolução, de liberdade e expressividade.

Numa outra leitura, é a criança que faz com que o homem se confronte com ele próprio para a descodificação do mundo e, a partir desta, para a construção desse mesmo mundo onde o sorriso de facto o possa ser.

Um mundo, vivido a cada movimento de respiração, porque é aí que cada verso de Luís Ferreira habita, onde a máscara tombe e a face, que só o amor pode revelar, surja plena, eis o que este volume nos oferta.


Coimbra, 2 de Setembro de 2009


in FERREIRA, Luís - "Momentos". Temas Originais. 2009

de "Poemas com rosto" - 1 e 2



EUGÉNIO DE ANDRADE

como são breves as coisas
mais belas do mundo

breves e simples

como a música
escorrendo em torno

das palavras que florescem

*

Um olhar que na fuga se faz ave

Eugénio de Andrade

em redor as pétalas
chamam pelos aromas da estação
indagam do sol a magia
de uma mariposa
de uma abelha insinuante

ou de um poeta
ávido de pólen

ou de voo
no olhar desperto em fuga

in "Poemas com rosto" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 22 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 22


22.

Enumero o que resta, o que fica
no silêncio da casa.

Nos risos gravados
na madeira
que ainda sussurra
na lareira.

Tudo aguarda
pelo teu olhar.

Como um deus sem palavras,
esquecido,

desabitado? 

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

sábado, 21 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 21


21.

Nada que a ti seja igual 
encontrarias, amor,
sobre o mundo.

O que ficou é,
somente,
esta cama vazia.

Desfeita
por um amor ausente.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 20


20.

Talvez nas mãos resida a mesura
exacta do mundo.

As mãos em pleno voo,
se o deus,
que rege os gestos da ternura,

 as liberte
das amarras do tempo.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 19


19.

As palavras,
sempre as palavras como madeira
reduzida
às cinzas das sílabas.

O que vale uma palavra
na tua ausência?

Pergunto,
enquanto Eros refaz as suas regras.

Sempre.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 18


18.

Mas quem à dor se entrega de não ter,
tendo esta escassa raiz
de um instante
que lhe serve de guarida?

Pois sabe que a memória
não é qual vitral
que a luz recusa,

mas surge plena como o pleno amor 
de que nascias. 

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 17


17.

Pouco me pertence
de facto,

um nome e um rosto,
duas datas,
sendo uma a decifrar.

Mas tenho como meus os teus passos.
E já não eram meus 
senão de erguê-los.

Pertencem ao instante
em que os escutei.

Em que me acompanharam
à mesa
onde o teu lugar
era a tua face 
e os lábios e os cabelos 

e o teu olhar 
para ninguém voltado.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 16


16.

vieram dar-me a sombra dos teus passos
os que escuto
quando a noite desce
e semeia a sua teia

talvez um dia
os teus passos sejam luz
mais do que imagens antigas
na epiderme da alma

passos com rosto
um sorriso

observa
a criança remexe na areia
há um castelo
que lhe brota entre as mãos

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

domingo, 15 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 15


15.

penélope tece o último
ponto

a soleira dormita
à sombra
que o ocaso lhe oferta

a porta embora desperta aos gestos
que a casa reclama
é qual vela
que repousa na arandela

entregue ao desígnio
de fenecer

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 14


14.

e os sóis mais densos puros e precisos
descenderam
às minhas mãos

teceram gestos por haver
risos
no despertar das cortinas

olhares
na urgência de um voo

cartografias de um desejo
ática reencontrada

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 13


13.

Eros habita as fímbrias da brisa.

Ouve-se a candura
dos seus murmúrios,
entre os meus dedos,

quando desfiam
os teus cabelos ausentes.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 12


12.

Da límpida substância
dos teus rios
risos

como barco à deriva
no descanso dos remos

fui-te inventando
e a memória
reabrindo a paleta
de fragrâncias
dos teus lábios

e derivando
indago o naufrágio
do teu corpo
dentro dos meus braços

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 11


11.

As mãos moldam a terra,
fecundam-na.

Sabem do rigor
da sementeira.

Ou da safra
como se anunciassem
o dia em que virias
rente às sombras do estio.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 10


10.

Ancestral, a lágrima
lapida
a pedra do tempo.

Procura
a última depuração.

O rosto que fosse
a imagem perfeita.

A face onde o nome exacto
acordaria.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 9


9.

Uma voz no refúgio do ventre
de um búzio,

reclama por mim

como se cativa
a minha face fosse
desse nome.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

domingo, 8 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 8


8.

Acorda-me um nome antigo.

Como água
que se demora na vidraça.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

sábado, 7 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 7


7.

Colhi o fruto proibido.

A maçã
da própria dor.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 6


6.

Este é o tempo que invadias 
com o misterioso
acordar do teu rosto na memória.

Tela de súbito iluminada.

A vida como um jogo
em que sempre se perde.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 5


5.

Abre-se a fenda do poente.

A luz anuncia
a sua queda.

Deita-se
rigorosa
sobre o corpo do horizonte.


in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 4


4.

Aproximei-me da raiz
das palavras e dos gestos
quando colhi das horas 

os instantes

em que os olhos dizem
o que a boca silencia.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 3


3.

Fui procurar-te,
como um rio que demanda
a razão do mar,

para ser contigo
nos caminhos do sal.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 2


2.

Venho da distância.

De longe,
onde o sol se deita
para regressar

qual criança
que reinventa o mundo
com suas próprias mãos.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)

domingo, 1 de fevereiro de 2015

de "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" - 1

 


Nota prévia:

Este ciclo nasce, tal como o próprio título indicia, de um tema, um poema de Vítor Matos e Sá intitulado “Invenção de Eros”.
Os seus instantes surgem de excertos desse poema. Daí o seu destaque, a negrito, neste exercício poético.

1.

Há um lago no rosto da casa
aberta
na face das tuas mãos.

Talvez
somente os teus olhos
o desvendem.

Talvez o vento
de passagem
em ti recolha

a Invenção de Eros.

in "Variações sobre tema de Vítor Matos e Sá: Invenção de Eros" (Edium Editores, Matosinhos, Portugal, 2007) - Prémio de Poesia Vítor Matos e Sá – 2007, organizado pelo Conselho Científico da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra); "Viagem pelos livros" (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011)



terça-feira, 13 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 53


DONA ALICE

Quem me julga, Dona Alice,
Que só por vir à janela
Tenha de ir no diz que disse,
No desce e sobe a viela?

E que a moça ali ao lado
É qual cais de marinheiro?
E a viúva do Soldado
Vai casar com um Primeiro?

Dona Alice, não me conte
Que eu cá finjo não ouvir!
Não se julgue como fonte
Das novas que estão p’ra vir!

E se pensa que aqui fico
Para ouvir seu recital,
Tem razão, ponha no bico
O café, meu bom jornal!

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 52


TI ZÉ

O Ti Zé da mula ruça
Logo pela manhãzinha
Levava cachaça à fuça
Para se manter na linha

Para se manter na linha
Mui desperto e sem catarro
Logo após a cachacinha
Meditava num cigarro

Meditava num cigarro
O Ti Zé que é gente fina
Porque deste não há barro

Muito menos mão de oleiro
Pois quis deus dar-lhe por sina
Ser último mas primeiro

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 11 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 51


TI MARIA

Na quinta da Ti Maria
Ia um grande reboliço,
O galo não deu o dia
Porque a voz dera sumiço.

Ti Maria adormecera.
As vacas por ordenhar
E os ovos, que prometera
À vizinha, por levar.

Raio do galo chanfrado,
Mais parecia avestruz.
Encolhido, amedrontado
Pela faca que reluz.

“Agora é que vais de vela,
Com batata a acompanhar.
Para dentro da panela
Porque é tempo de estufar.”

Bem tentava o bico abrir
O galo para cantar,
Mas a voz soube fugir,
Não ficou para o jantar.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 10 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 46 a 50


Silhueta na janela.
Janela com silhueta.
O mundo é uma procela
A passar de motoreta.

*

Tenho na mão uma rosa
Para dar ao meu amor
Que como a rosa é formosa
Airosa como uma flor

*

Trago no olhar o presente
Mais doce do verbo amar
Como um riacho pungente
No ventre do teu olhar

*

Traz o dia na lapela
Uma flor do meu jardim
Por ela o sol se revela
Em seu esplendor sem fim

*

Um sorriso de criança
O que é mais preciso ver,
Se são olhos da esperança
Que só elas podem ter?

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 41 a 45


Para quê sentir o mar
Retirar-se mansamente,
Se não podemos amar
Quem vemos em nossa mente.

*

Para quê ser o não ser
Se não ser é ser assim.
Ser ser e nunca saber
Qual dos seres se é enfim.

*

Quantas vezes o carteiro
Traz a carta sem saber
Que transporta o mundo inteiro
Para quem a receber

*

Retira das mãos o gesto
Com que crias o teu mundo.
Que nada reste, que o resto
É pó, cinza e mar ao fundo.

*

Será que o amor é vida?
Será que ele é ilusão?
Só sei que és minha querida,
Meu amor do coração.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 36 a 40


O rio vai para o mar
Despejar a sua mágoa.
Nele só vai encontrar
Quem lhe rouba a sua água.

*

O teu véu tapa-me a vista
Mas não me desvia o olhar
Só petisca quem arrisca
Esse teu véu levantar

*

Olho tanto para a frente
Que me dói de tanto olhar.
Hoje, ao olhar, certamente
Vejo os meus olhos fechar.

*

Onde estão teus olhos de água;
Onde está o brilho ledo;
Será que só há mágoa
Em teus olhos de sossego?

*

Ouço o meu povo cantar
A alegria da semente
A esperança de germinar
Pela voz que a terra sente

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 31 a 35


Não pensem que é só rimar
Para se dizer ser verso,
É preciso nele achar
Até o próprio universo.

*

Nasce o sol do novo dia
Que logo, logo começa.
É a vida que inicia
O ciclo em que ela tropeça.

*

Nasce o tudo, nasce o nada,
Nasce a vida e a alegria.
A esperança é a errada,
Se não nasce como o dia.

*

Nunca houve nada melhor
Do que um pouco de paixão,
Sofrer um pouco de amor
Não faz mal ao coração.

*

Ó erva tenra que nasce,
Quem te pisa te desama,
Não há quem na terra te ache
Se o vento nunca te chama.

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 26 a 30


Muitos olhos eu já tive,
Mas nenhum me soube ver.
Talvez a sombra é que vive
Na esperança de morrer.

*

Na minha janela achei
O canto de uma sereia
Foi por ela que embarquei
No olhar que me nomeia

*

Na muralha da cidade
Se desenha o sol poente
Como canto de saudade
Para o meu amor ausente

*

Não há poema que cante
A canção que canta o mar
Que em branco do azul errante
Se desfaz no meu olhar

*

Não me deixes por destino
Esse teu fio de prumo
Quero ser como um menino
Que crescendo faz seu rumo

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

de "Divertimento poético" - 21 a 25


Há uma moura encantada
No ventre do teu olhar
Quando corre a madrugada
Levando ao colo o luar

*

Meu amor é flor ausente
Janela que não tem rosto
Como este sol indolente
De dezembro em pleno agosto

*

Meu amor foi à janela
Quando o sol se foi deitar
Ai quem me dera por ela
Nesse momento passar

*

Meu amor vinha à janela
Sorrir ao me ver passar
Agora ao passar por ela
Só a posso recordar

*

Meu poema meu tesouro
Em quatro versos guardado
Valerás mais que todo o ouro
Se por amor fores cantado

in "Divertimento poético ou cinquenta quadras mais ou menos ao gosto popular, seguidas por três, porque três foi a conta que deus fez, redondilhas com gente dentro: Ti Maria, Ti Zé e Dona Alice (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)