sábado, 30 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 14

aguarda

que do casulo
a mariposa
brote

e como corola
ao sol
se exponha

para que a noite
beije
a sua face

e voe

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 13

o poema

seria grão
de areia
na tua mão

se não fosse
estrela
galáxia
no teu olhar

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Sobre "27 Poemas", de António Rebordão Navarro



Em “27 Poemas”, António Rebordão Navarro escreve no poema “O grito” que:

“essa tarde de sábado em Coimbra,
(Rua da Sofia, há muitos anos),
em que me insultaram de poeta.” (1)

É, portanto, pelo exposto, necessário, para quem reside na cidade de Coimbra, embora no outro lado do rio, na minha sempre bela Santa Clara, mas que, por duas vezes, trabalhou na Rua da Sofia, curiosamente, à data, balizas da minha passagem pelos jornais, repetir o insulto. E se assim é, que assim seja.

Pois fique sabendo, caro António Rebordão Navarro, que, quer queira quer não, é mesmo poeta.

Recorro a um excerto de uma matéria publicada no Jornal de Letras, a vinte e quatro de setembro de dois mil e oito, sob o título de “O poeta na cidade, hoje”, da autoria de Eduardo Lourenço, onde este, a dado passo, escreve o seguinte, algo que, julgo eu, servirá para justificar o que acima mencionei:

“(...) os que sob a superfície lisa das águas escutam um rumor, um apelo que, literalmente falando, os não deixa viver, ouvindo o já ouvido, mesmo o mais belo e sublime, e buscam por sua conta a melodia única que lhes explicará o tempo que é o seu próprio tempo, e que não sossegam enquanto o não inventam e se perdem nele para se salvar. São eles que nós chamamos de poetas. São os que acrescentam a criação à criação e assim renovam o mundo.” (2)

António Rebordão Navarro enquadra-se neste possível esboço do que é, ou pode ser, o poeta. O que busca “por sua conta a melodia única que lhes explicará o tempo que é o seu próprio tempo”, o que acrescenta “a criação à criação e assim” renova “o mundo”.

E este seu livro: “27 poemas”, sob a capa de uma pretensa aridez anunciada pelo próprio título, corrobora essa afirmação. Mas entremos no livro, neste “27 poemas”.

Este volume sugere-nos, pela natureza do título, uma mera compilação de poemas. Algo sem um fio condutor, desprovido de uma ligação interna.

No entanto, ao abri-lo, deparamo-nos com um poema cujo título poderá ser demolidor dessa ideia. Lê-se: “Profissão de fé”; ou seja: uma declaração pública daquilo em que se crê; e onde o poeta nos oferta esta quintilha, que é, na minha opinião, a parcela mais relevante e que passo a citar:

“Eu sou, minha senhora, a sua sombra.
Estou consigo quando você se esvai,
me castiga ou compõe
com religiosos dedos a gravata
sob o colarinho amarrotado.” (3)

É, na minha leitura, o primado da vida. A morte, que encontro nesta senhora, perde o seu estatuto perante o homem, perante aquele homem que, tomando consciência plena desta, agarra com ambas as mãos o leme do seu próprio caminho. Ele é a sombra da morte, não o contrário.

Esta firme convicção em o poeta poder tomar como que posse da morte, ou seja: do medo, do medo último, para ganhar os argumentos essenciais para a plena fruição da vida.

Naturalmente que o amor, melhor: a relação amorosa; é um desses possíveis argumentos. Aliás, ele está bem presente na sensualidade patente no poema “Movimento marítimo”, embora nunca perdendo de vista que é, tal como se refere em “Declinação do amor”:

“Por ele [ou seja: o amor] nos vamos destruindo.
Corroídas, as palavras
sobem ao céu da boca, crucificam-se,
sabem a língua morta.” (4)

Em suma, leio aqui que o amor não se faz. Muito provavelmente nem se construirá. O amor é. E só desta forma ele deixará de ser um possível argumento, mas um dos mais relevantes argumentos para a tal plena fruição da vida.

Falei desta convicção, a de tomar como que posse da morte. Ela conduz à possibilidade da fundação do templo, um espaço interior, íntimo, a que António Rebordão Navarro, naturalmente esta é a minha leitura, denominará posteriormente de casa.

No primeiro de dois poemas intitulados: “A fundação do templo”; observamos um interessante jogo de antíteses. Como exemplo:

“Você pode ser lúcida e ser louca” (5)

ou

“Você é uma lâmina,
ou um lago deixando-se sulcar” (6)

No fundo, estamos aqui, apesar de ser o templo interior, íntimo, a observar, neste jogo de verso e reverso, uma imagem do mundo, do real e do mundo outro que só a boa poesia pode criar. Embora este último seja um mundo outro, diverso, não está dissociado do real. O mundo é um eterno jogo de opostos.

E é por isto que há pouco afirmei que o templo passa a ser casa. Embora lugar de refúgio, de protecção, mas também de afecto, é ponto de partida e de chegada, é espaço de reflexão que, permitam-me a expressão, só o nosso próprio cantinho propicia e potencia.

De novo, as convicções. No primeiro poema deste tríptico intitulado: “As casas (...)”, Rebordão Navarro lega-nos isto, e cito:

“Fizemo-nos as pedras do edifício” (7)

Embora exista a passagem de templo, espaço sagrado, de veneração, para casa, espaço habitado, logo mais ligado à vida, ao quotidiano, eles, templo e casa, persistem no poeta, no construtor do poema. Melhor: o poeta é templo e casa. São a mesma entidade, o mesmo ser.

E é aqui, neste ponto, nesta junção entre o interior e o exterior, não só do mundo real, mas do mundo outro que a poesia revela, que chegamos ao epicentro deste livro.

Um simples cálculo matemático seria suficiente para o determinar, mas, perdoem-me os matemáticos, ler é muito mais divertido.

Ora bem, se são vinte e sete, o décimo quarto está à mesma distância do primeiro e do último.

Esse poema, o tal epicentro do livro, tem o nome de: “Concerto”; um nome que por si só já nos diz muito. É um poema singular neste volume, marca a diferença relativamente aos outros vinte e seis enformadores da obra. É o único dedicado, neste caso a Silvestre Fonseca e é, também, o único datado, desta feita consta: Vila Viçosa / 09-06-1987.

Para além de nos mencionar o óbvio, mas algo só adquire essa característica porque alguém o disse, ou seja: todo o poema é dedicado a algo ou a alguém e todo o poema nasce ou ganha a forma com que se apresenta ao outro, ao leitor, num determinado lugar e numa determinada data, refere-nos da importância da musicalidade no poema.

E esta musicalidade, que as palavras também constróem, para além da sua fundamental carga racional, desperta no outro, no leitor, o lado emotivo.

Como refere Fernando Pessoa, num texto sobre estética, e passo a citar:

“um poema é um produto intelectual, e uma emoção, para ser intelectual, tem, evidentemente, porque não é, de si, intelectual, que existir intelectualmente. Ora a existência intelectual de uma emoção é uma existência na inteligência – isto é, na recordação, única parte da inteligência, propriamente tal, que pode conservar uma emoção.” (8)

Talvez por isso, digamos assim, a segunda parte do livro se inicie com o poema “Cor-cordis”, o espaço referencial do coração, aqui, pelo menos assim o leio, como espaço onde a memória habita, a tal recordação referida por Fernando Pessoa. E este reavivar da memória é bem patente pelo engenhoso processo anafórico presente neste poema.

Aliás, a importância da memória na construção da obra é sublinhada pelo poeta quando este afirma no poema: “As águas”, o seguinte:

“Em vão nada se faz, nada se queima.
Projectam-se partos na memória.” (9)

Em jeito de resumo, diria que “27 poemas” é uma viagem. Uma viagem com amor e morte, que são os grandes temas da poesia, mas onde a própria poesia é, de facto, o tema. Essa enigmática figura que nos surge amiúde referida sob o pronome “você”. Mas toda esta viagem é-nos servida com diversas referências culturais e com o registo crítico e irónico que, quase direi, são a imagem de marca do autor.

Para concluir, porque o poeta não permitiu ao amante viver até ao fim do filme, deixando essa revelação exactamente no dístico derradeiro, afirmando a sua morte na coxia, permitam-me que descubra um porto. Por isso, deixo-vos um poema, um poema que tem como título um espaço bem concreto: “Porto 1”:

“Um dia, a palavra fez-se carne.
Ou sucedeu justamente o contrário?” (10)


NOTAS:

(1) NAVARRO, António Rebordão – 27 Poemas, Edium Editores, S. Mamede de Infesta, 2.ª edição, 2008, P. 24.
(2) LOURENÇO, Eduardo – O poeta na cidade, hoje. in Jornal de Letras. 24 de Setembro de 2008, P. 39.
(3) NAVARRO, António Rebordão – Ob. Cit. P. 12.
(4) NAVARRO, António Rebordão – Ob. Cit. P. 19.
(5) NAVARRO, António Rebordão – Ob. Cit. P. 20.
(6) NAVARRO, António Rebordão – Ob. Cit. P. 20.
(7) NAVARRO, António Rebordão – Ob. Cit. P. 26.
(8) PESSOA, Fernando – Obras Completas III, RBA, 2006, P. 199.
(9) NAVARRO, António Rebordão – Ob. Cit. P. 39.
(10) NAVARRO, António Rebordão – Ob. Cit. P. 35.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 12

o feitiço
da lua

oculto

no ventre
do teu olhar

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

terça-feira, 26 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 11

ergue
as mãos
ao sol

e desperta
as asas
do sonho

voa

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 10

repara
no rufar
das ondas

que brincam
no areal

repara
como riem

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

domingo, 24 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 9

cria
no ventre

o poema

seara
que se ergue
ao infinito

que se estende
e toca
o horizonte

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

sábado, 23 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 8

a luz
e a sombra

a vida
e a morte

amor
e ódio

talvez
somente
encontro

caminho
comum

rio
desperto
ao desejo

do mar

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Sobre “Ensaios de Ficção”, de Renata Pereira Correia



Quando o músico grego Vangelis compôs a banda sonora para o filme de 1982, de Ridley Scott, “Blade Runner” extraiu uma frase desse filme que considero capaz de definir o livro que aqui se apresenta.

Holden, interpretado por Morgan Paull, diz algo que em português significa sensivelmente o seguinte:

“é um teste desenvolvido para provocar uma resposta emocional”.(1)

Se repararmos no título, de facto ensaiar é testar, é pôr à prova, é verificar a possibilidade de algo ocorrer. No fundo, é limar as arestas para que algo aconteça de uma forma pré-concebida, pré-idealizada.

Mas aquilo que se testa aqui, ou que se ajusta, é a ficção, o mesmo é dizer de que se trata da outra face da realidade.

Há portanto, pela autora, a necessidade de, por palavras, desenvolver uma série de experimentações com o intuito de criar a condição ficcional.

No entanto, quanto mais se afasta do eu ao encontro do outro, mais o outro do eu se aproxima. Como se estes ensaios nos trouxessem a impossibilidade do afastamento da autora, ela mesma, da sua própria escrita.

Renata Pereira Correia é a matriz essencial do que cada palavra respira. O eu vai-se tornando cada vez mais nítido, confirmando o título, mas pela negação.

E a questão que se coloca é basicamente a seguinte: a percepção da ficção pela máscara, isto é, o outro, o eu-outro que enfrenta o mundo, é ponto de partida?, ou será o eu aquele que consagra a matéria para a criação ulterior dessa mesma percepção? Em síntese: o que distingue o eu que sou do eu-outro e do eu que afirma escrevendo no próprio instante da génese da escrita? Renata Pereira Correia diz-nos isto:

“para quê julgar o visível, se é no invisível que se encontra toda a essência”(2)

ou seja: por detrás do ficcional, o real e é nele que se deve investir, mesmo quando esse real não é mais do que a nossa forma de interpretar o real, uma ficção.

Por outras palavras, há que procurar a ideia essencial que se oculta por detrás da aparência com que explicamos o mundo isto porque é aí, nessa demanda que, como refere a autora:

“No início desta alvorada,
começa-se um novo percurso,
colhe-se frutos.”(3)

E aqui, neste pequeno exemplo, repare-se que a autora nos confere a ideia de génese, de ponto de partida por quatro vezes (início, alvorada, começa-se e novo) para que se possa possuir o objectivo, isto é: colher o fruto.

Trata-se portanto numa espécie de acto de escultura em que o outro se vai diluindo no eu através da sua própria subtracção, retirando quase diria pó a pó para chegar-se ao ponto mais radical, afirmando:

“A busca é o sonho
A procura é o delírio” (4)

Mas o mundo existe, estamos no mundo, é algo que os sentidos nos valida a cada instante.

Renata Pereira Correia dele não se dissocia, antes pelo contrário: interpela, interage, valoriza o que sente ser mais relevante, insurge-se contra a indiferença, mas sempre com um, como menciona a cantiga de Sérgio Godinho:

“brilhozinho nos olhos”.(5)

Sobre estes últimos tópicos, leia-se no poema: “Ninguém vive só”, o seguinte:

“As águas do infinito oceano correm juntas
As lágrimas rolam acompanhadas
A amizade não tem necessidade de grandes discursos
Somente os nossos actos bastam para provar o quanto ela é importante”(6)

Em resumo, apesar da indiferença e do individualismo, quantas vezes exacerbados, marcarem cada vez mais a agenda do dia, espero que se mantenha sempre essa esperança, o sonho de que é possível mudar o que nos rodeia, mesmo que, somente, seja em ensaios mesmo que num plano meramente ficcional.

NOTAS:
(1) in "Interrogation of Leon". http://www.devo.com/bladerunner/sector/2/interrogation.html (último acesso a 20.10.2013)
(2) CORREIA, Renata Pereira - "Ensaios de Ficção". Temas Originais. Coimbra. P. 22
(3) CORREIA, Renata Pereira - Ob. Cit.. P. 37
(4) CORREIA, Renata Pereira - Ob. Cit.. P. 16
(5) GODINHO, Sérgio - in "Lirycs.Time". http://www.lyricstime.com/s-rgio-godinho-com-um-brilhozinho-nos-olhos-lyrics.html (último acesso a 20.10.2013)
(6) CORREIA, Renata Pereira - Ob. Cit.. P. 27

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 7

aceso

em lunações
constantes

teu corpo
é um verbo
por conjugar

um momento
que em espanto
se descobre

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

In Memoriam - Antônio Adriano de Medeiros

Há um ano, o poeta Antônio Adriano de Medeiros deixou-nos. Na altura, a 20 de Novembro de 2012, escrevi o poema que abaixo vos deixo. Uma pequena homenagem ao poeta e aos seus cordéis.


ao antônio adriano de medeiros, 
no dia da sua morte.


antónio, o cão que se foda
(que me desculpe a menina),
mas há dias em que a roda
não roda p'la nossa sina.

e a deus digo a mesma cousa,
quarenta e nove, que porra,
não é idade p'rá lousa
registrar para quem morra.

mas, antónio, deixa lá,
nada há agora a fazer,
antes penso que por cá
ficou o que houve a 'screver.

e tu escreveste a rir
p'ra assim te vermos partir.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 6

sente
a pulsão
solar

a magia
da luz
inebriante

o poema
que se agita

e se solta

por sobre
o corpo

e enlaça
o desejo

e desperta
o sonho

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 5

a mão
que cria
o gesto

recria
a mão
moldada

ao gesto

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

domingo, 17 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 4

na minha mão

a pena
que inscreve
a fogo

as vozes
do tempo

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

sábado, 16 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 3

herdaste
das aves

o canto

não as asas

o voo

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Para o meu Filho, Pedro

No dia do seu aniversário, um poema, desta feita inédito.

ao meu Filho, Pedro


                              "e que rumem rumo ao sonho
                              porque antes vivê-lo um segundo
                              que chorá-lo toda a vida"

                                                  Xavier Zarco


não deixes nem queiras que te
ponham
ou que a ti mesmo imponhas
amarras

sê barco e comandante
bússola astrolábio mapa régua
mão que traça o rumo
sê o que o sonho em ti se revela

porque um sonho não se adia
não se pode adiar

cumpre-se ou fenece
como uma folha de calendário
que nos diz do tempo
do tempo que passou e já não volta



quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Sobre "Ao Povo do Mundo", de Fernando Morais

 

Em 2010, sob chancela da editora conimbricense Temas Originais, surge a obra “Ao Povo do Mundo”, da autoria de Fernando Morais, poeta e tradutor, com vasta obra editada.

Este livro abre com chave de ouro. Um verso, aparentemente simples, aliás um heptassílabo, bem ao jeito do que toca a alma do povo, o que trabalha e canta o trabalho, o que sofre e canta o sofrimento, o que sorri e canta o sorriso.

Diz o poeta nesse verso inaugural, e cito:

“Hoje estou aberto ao mundo.” (1)

Apetece-me dizer o sinal ortográfico, ponto final.

De facto, este volume traz-nos, não direi a tal catarse anunciada em prefácio assinado por João Arezes, que a vida do homem que está por trás do autor não conheço para além da sinopse que consta na contracapa, mas sinto que este livro é uma janela, um miradouro onde habita um sonho.

Como escreveu John Lennon:

“Tu podes dizer que eu sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Espero que um dia te juntes a nós
E o mundo será só um” (2)

Este “Ao Povo do Mundo” apresenta-se, pelo menos a mim, como a tal janela, uma verdadeira janela onde o que diz e o que toma posse do que se diz, trocam amiúde a posição de observação do mundo, possibilidade essa que só a autêntica poesia, como meio de comunicação do conhecimento, capaz de nos aproximar da real face de todas as coisas, pode, de facto, efectuar.

Há, portanto, neste poemário osmose, mas, também, simbiose. Comunhão plena de princípios, mas, sobretudo, quase diria de enxadas com que se vão cavando a terra para o repouso da semente e para a colheita do fruto.

O poeta e o leitor viajam por entre olhares, não olhando, mas vendo o que há a ver. Como exemplo, três instantes onde esse olhar se demora: d’”A Terceira Idade” onde, e cito:

“Um velho está curvado
sua cabeça pende para o chão
e quando caminha, os seus ossos rangem;” (3)

passando pelo único título não maiusculado deste livro, e que significado a este atributo se pode dar, “Aldeias que já não há / mentalidades que ainda temos...”, onde se pode ler:

“Já não há aldeias destas
onde quem manda é mandado
e quem sofre leva um prémio
pelos sábados de sol e sombra” (4)

até à viagem, ela própria, melhor: “Viagens” onde, refere o poeta, ou será o leitor?:

“não me perdi nem me achei
(...)
sentei-me lá no alto
satisfeito do que vi” (5)

concluindo:

“(...) só vi montes...” (6)

Esta é a perfeita definição do que é palpável, do horizonte, mas, e talvez sobretudo, do que há para além do horizonte, aquilo que está para lá do mero observável, repito:

“sentei-me lá no alto
satisfeito do que vi”. (7)

Trata-se, a meu ver, de um tratado este “Ao Povo do Mundo”, que nasce exactamente sob epígrafe de Neruda, aquele que escrevia para o povo, mesmo que este não o entendesse, para nos desvelar o mundo íntimo e exterior, consoante o ensejo de quem o desbravar.

Talvez viagem de vida, a própria, mas essencialmente a construção de uma visão do mundo que, tal como diz o poeta, e é fundamental seguir esta lição:

“Quando os meus pés estão magoados
eu desço à realidade” (8)

porque, tal como afirma Fernando Morais,

“gosto tanto dos meus pés, cansados, quanto gosto do real” (9)

Escuto aqui Antonio Machado com o seu conhecido verso

“se hace camino al andar”. (10)

E esta obra faz-se exactamente assim: caminhando e observando cada metáfora como única.

NOTAS:
(1) MORAIS, Fernando - Ao Povo do Mundo, Temas Originais. Coimbra. 2010. P. 11.
(2) LENNON, John - Canções (1968-1980), Centelha. Coimbra. P. 65.
(3) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 20. 
(4) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 29.
(5) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 73.
(6) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 73.
(7) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 73.
(8) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 51.
(9) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 51.
(10) MACHADO, Antonio - In "Poemas del alma", http://www.poemas-del-alma.com/antonio-machado-caminante-no-hay-caminho.htm (último acesso a 27.09.2013).


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 2

nas mãos
de sonho

o ritmo
das estrelas

semente
de um verso

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

terça-feira, 12 de novembro de 2013

de “No rumor das águas” - 1

 


no terno
envoltório

roda

esboça
o gesto

mãos
de sonho

que afagam

a face
do mundo

e sorri

sorri
desenhando
a conquista
que se aproxima
e como sua
sente

in “No rumor das águas” (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2001). Obra com edição em castelhano numa tradução de Jose Rafael Hernández sob o título “En el rumor de las aguas” (Expresiones, Venezuela, 2002).

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

In Memoriam - António Maria Lisboa


Cumpre-se hoje, dia 11 de Novembro, sessenta anos sobre a morte de António Maria Lisboa, cuja escrita amiúde me acompanha. Assim, e como homenagem, insiro um ciclo sob epígrafe que foi editado em 2012 na "Antologia de Escritas 9".


Sob epígrafe de António Maria Lisboa


                    As formas, as sombras, a luz que descobre a noite
                    e um pequeno pássaro.

                                        António Maria Lisboa


1.

tudo existe
tudo se manifesta
rente à pele dos sentidos

tudo
ou talvez nada

tudo como reflexo
aparência

ilusão


2.

no entanto
a sombra presa às paredes
ao chão

a sombra
a invenção da palavra


3.

pela noite acordo a luz
que as sombras pronunciam

acordo
como se descobrisse
os dedos

os dedos
com que se tece a maçã
de cada demanda


4.

e um pequeno pássaro
esventra a noite
criando a madrugada

canta a forma
a sombra
a luz

canta o eclodir de um poema

domingo, 10 de novembro de 2013

de “O livro dos murmúrios” - 28

ícaro
agarra
nas asas
do poema

esboça
o abismo
a queda

mas voa


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

sábado, 9 de novembro de 2013

de “O livro dos murmúrios” - 27

espero
o que espera

porque sei
da palavra
escrita

que o vento
apagou


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

de “O livro dos murmúrios” - 26

adormeço
é tempo
do tempo
perder

do cansaço
a almofada
espera

que em sonhos
flutue
e ao cosmos
regresse


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Sobre “Amar em Chão de Mar”, de Dalila Moura Baião



Um dos grandes críticos e analistas do fenómeno literário, sobretudo da Poesia, na minha perspectiva, Ezra Pound, num dos seus mais conhecidos ensaios, escreveu sobre a arte poética o seguinte, e cito:

“A função mais sublime da arte consiste em preencher a mente com uma profusão de sons e imagens que ordenem a vida intelectual.”(1)

Se a esta lição adicionarmos o que refere T. S. Eliot, quando alude ao jovens autores do seu tempo, e cito:

“demonstram ter aberto um livro de Withman: perceberam a disposição dos versos sobre a página impressa, mas não encontro explicação sobre o que os levou a escrever a maior parte dos poemas em «versos livres» (possivelmente o boato de que o verso havia sido libertado).”(2)

É nesta confluência que situo o que esta obra, “Amar em Chão de Mar”, tem como base para a sua escritura. Nesta, temos a tal profusão de sons, de imagens, mas também temos versos livres, melhor: versos livres, mas na medida exacta.

Embora não exista um padrão ao nível da mesura do verso em si, há, de facto, um padrão ao nível da construção do corpo poético: uma boa parcela dos poemas que enformam esta obra têm como base uma padronização hexamétrica ou heptamétrica.

Tal é fundamental para que o outro, aquele que é não só o destinatário do objecto de arte, mas o verdadeiro detentor desse mesmo objecto, pelo auxílio da componente emotiva, que só a musicalidade, matriz de qualquer poema, desperta, possa aceder, mas aceder de facto ao que, no fundo, lhe pertence.

A poetisa trabalha o seu ofício para que o fruidor da obra possa assistir, e sentir, citando a autora:

“O silêncio encrespado da palavra a brotar”(3)

Repare-se que são dois hexâmetros que constroem este verso de treze sílabas.

E é no silêncio que a palavra brota, mas também é para o silêncio que a palavra, em poema, pretende regressar ou não fossem palavras que, como escreve Dalila, 

“sabem amar em chão de mar”(4).

Para além da forma, há a voz, a voz que diz. Sendo certo que o que o poeta diz, qualquer um, pouco me interessa, porque o que me interessa é aquilo que o poeta me diz. E essa é a visão que, também aqui, leio, passo a citar:

“Seres-te assim, o viajante
Que em trépidas caminhadas
Me procura...

(...)

Seres o poema, onde te li
Palavra breve
Sonhada em ti!”(5)

E esta palavra, sonhada em mim, diz-me de afectos. Creio ser essa a quase diria condição essencial para a feitura não só deste seu livro, mas também do seu anterior, “Varandas de Luar”, ou não fosse a arte em si: 

“Poesia ancorada no meu coração”(6)

E este é o verdadeiro porto, e estaleiro, para a partida, e construção, do poema. Tal visão não nos é dada de forma fácil, antes pelo contrário. Entra-se na obra e temos um aparente isomorfismo, onze poemas que nos sugerem o formalismo do soneto. Há, no fundo, uma aparente ordem, mas essa ordem vem de onde?, nasce como?

A resposta surge-nos no segundo ciclo, o mais longo do livro, isto é, do caos, também aparente, em formas, ritmos, temas variegados, mas que se interligam como se fossem fotografias de uma vida desordenadas, impressões de instantes.

E a resposta é esta: há que descer até aos alicerces da casa, o terceiro ciclo, para que a poetisa me diga do nascer, da génese da obra.

E que signo mais forte do nascer que a palavra mãe? E que signo mais forte do afecto que a palavra mãe? Que signo mais forte para iniciar a reconstrução, a colocação exacta das peças do puzzle que fomos coleccionando, agora descobertos em retalhos de ternura para que a manta se faça e nos ordene, tal como referia Pound, a vida intelectual.

NOTAS:
(1) POUND, Ezra - "Ensaios", Pergaminho, Lisboa, 1994. P. 46
(2) ELLIOT, T.S. - "Ezra Pound", in POUND, Ezra - "Ensaios", Pergaminho, Lisboa, 1994. P. 26
(3) BAIÃO, Dalila Moura - "Amar em Chão de Mar", Temas Originais, Coimbra, 2010. P. 59
(4) BAIÃO, Dalila Moura - Ob. Cit.. P. 118
(5) BAIÃO, Dalila Moura - Ob. Cit.. P. 56-57
(6) BAIÃO, Dalila Moura - Ob. Cit.. P. 88

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

de “O livro dos murmúrios” - 25

crivar
na madeira
a memória
dos tempos

abrir
fendas
no oculto
desejo
de arriscar

o prenúncio
da queda


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

terça-feira, 5 de novembro de 2013

de “O livro dos murmúrios” - 24

saber
do sabor
de ser
livre

e soltar
as rédeas
do desejo

e correr
em torno
da luz
extrema

como candeia
suspensa
por um grito
contido


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

de “O livro dos murmúrios” - 23

entre
margens

o rio
correndo

rumo
ao sal

ao centro
da luz
difusa

ao ventre
do prometido
fim


in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

domingo, 3 de novembro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 22

abertas
as portas
do vento

e sentir
a ausência
das asas

crescendo
no secreto
envoltório

que caindo
ascende

e se supera

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

sábado, 2 de novembro de 2013

de "O livro dos murmúrios" - 21

partir

correr
horizontes

sair
do corpo
efémero


e voar

in “O livro dos murmúrios” (Palimage Editores, Viseu, Portugal, 1998); “Viagem pelos livros” (Escrituras, São Paulo, Brasil, 2011).

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sobre “Aprendiz de Poeta”, de Emanuel Lomelino



Seguindo a lição utilizada no seu primeiro livro, o poema iniciador da obra titula-a, isto é: ao “Amador do Verso”, onde se lê, e cito:

“a poesia não traio, sempre lhe fui fiel
palavra de aprendiz de poeta”(1)

curiosa esta referência, aprendiz de poeta, adiante,

sucede este “Aprendiz de Poeta”, obra editada, tal como a anterior, em 2010, pela Temas Originais, que, considero um pulo bem acentuado no que o Emanuel Lomelino faz chegar ao leitor sob a forma do livro. São dois, à data em que escrevo, bem sei, mas é, na minha opinião, algo a considerar.

Digo-o porque, no seu primeiro livro, notava-se já a verdadeira semente de toda a escritura, isto é: a leitura; mas, também, já era notória uma demanda de um registro próprio.

Existia o amador, o que ama a coisa, mas que desta não se afastava o suficiente para colher a essência da sua própria respiração. O acto amatório muitas vezes provoca uma proximidade que, quase diria, sufoca, mesmo que essa sensação possa eventualmente ser até agradável.

No entanto, nesta sua nova obra, “Aprendiz de Poeta”, há uma novidade, um registro, de facto, próprio, autêntico, verdadeiro, porque do próprio autor, que sabe, porque desta toma, não sensível, mas conscientemente, que é a leitura a geradora da obra a ser.

Desta forma, não será de admirar que continue a escutar, como mero exemplo, António Franco Alexandre, sobretudo o de “Moradas”, de uma forma mais abrangente, ou de Ruy Belo pela forma coloquial com que amiúde contamina o seu fazer poético.

Mas não encontro aqui o que afirma o próprio poeta, e cito: 

“poeta imaturo”(2);

a não ser que este imaturo signifique, e aí concordo, como aquele que sempre encontra na coisa o catalisador do próprio espanto e, por isso, se sente sempre perante a novidade, e, assim, matura constantemente essa mesma coisa com o intuito de obter desta a maior valoração possível.

Aí ambos, melhor, todos os que escrevem estão, como se soía dizer, no mesmo barco, navegando, tal como afirma Emanuel Lomelino, 

“um rio
(...) agarrado às suas crinas”(3),

imagem esta de força vital porque nos traz uma espécie de serena liberdade.

Um detalhe relevante, que já era também vislumbrável na sua primeira obra, é, tal como indiciam os ecos poéticos acima referidos, sobretudo Ruy Belo, o alongar do verso, quase sempre superior ao decassílabo.

Neste “Aprendiz de Poeta” há a aproximação ao apuro técnico de construção deste género de mesura vérsica, onde a cesura se encontra cada vez mais no local devido, ou não fosse aprendiz, aquele que inicia o processo de recolha e interiorização dos rudimentos do seu ofício, no âmago do que escreve, melhor do que diz.

Trata-se portanto, na minha opinião, já não só da tal procura de registro pessoal, que antes referi, mas de uma demanda para que esse mesmo registro seja cada vez mais construído de forma a que chegue ao outro com uma maior eficácia ou, como refere o poeta, que nisto o poeta é que sabe, e pode clarificar:

“Escrevo por não poder falar
Todas as palavras que quero” (4)

Isto é, tendo consciência de que o acto poético é essencialmente fala, voz, e sobretudo canto, assume-se aqui como o tal aprendiz.

É, sem dúvida, um título que assenta, tal como refere o povo, como uma luva.

Numa abordagem ligeira a esta obra, muito provavelmente, dir-se-á: essencialmente lírica. Se é um facto que o Eu está, quase direi, omnipresente, também é verdade que esse Eu, por vezes, muitas vezes, se vê, como se se projectasse no mundo e representasse um outro papel, ou, mais concretamente, um papel outro, um papel produzido pela imaginação, ou seja, transfigurando o Eu lírico num Tu dramático, que leva o poeta a dizer:

“Por vezes nem eu me reconheço
(...)
Afasto-me do mundo conhecido”(5)

Mas a questão fulcral é a seguinte: que papel procura desempenhar o aprendiz, por que demanda entre palavras fundadas no Eu, mas que é o Eu Outro que se revela em cada verso?

Bom, para que não seja suspeito, citarei Vitorino Nemésio quando este escreve:

“Como em toda a actividade, é difícil surpreender exactamente o grau de expressão em que a categoria do poético desfalece ou está ausente sem que desapareçam os requisitos formais da arte poética em acção. Sobre o que define o poético, frente ao metafísico, estamos todavia mais seguros. Se o pensamento filosófico apreende a realidade na relação do juízo, o que se possa chamar de pensamento poético indica-a ou mostra-a pela mediação de uma realidade segunda, substitutiva ou simbólica, que a razão não traduz absolutamente nos seus termos, mas que verbalmente é dada com a plenitude da intuição.” (6)

É neste plano que leio esta obra e, sobretudo, o futuro da obra do Emanuel Lomelino. Ou não fosse, e cito o poeta:

“A poesia
(...)
A minha tábua de salvação”(7)

E que outra salvação há senão a da reconstrução do nosso próprio mundo, desta feita reconstruída pela via, tal como alude Nemésio, segunda, substitutiva ou simbólica, tal como considero ser regida a escrita de Emanuel Lomelino, antes, agora e sempre, amador do verso, e aprendiz, porque peregrino pelos caminhos da palavra, da poesia.


NOTAS:
(1) LOMELINO, Emanuel - "Amador do Verso", Temas Originais, Coimbra, 2010. P. 7
(2) LOMELINO, Emanuel - "Aprendiz de Poeta", Temas Originais, Coimbra, 2010. P. 9
(3) LOMELINO, Emanuel - Ob. Cit. P. 9
(4) LOMELINO, Emanuel - Ob. Cit. P. 40
(5) LOMELINO, Emanuel - Ob. Cit. P. 66
(6) NEMÉSIO, Vitorino - Poesia Vol. I - 1916-1940, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 2006. P. 120
(7) LOMELINO, Emanuel - Ob. Cit. P. 59