Em
2010, sob chancela da editora conimbricense Temas Originais, surge a obra “Ao
Povo do Mundo”, da autoria de Fernando Morais, poeta e tradutor, com vasta obra
editada.
Este
livro abre com chave de ouro. Um verso, aparentemente simples, aliás um
heptassílabo, bem ao jeito do que toca a alma do povo, o que trabalha e canta o
trabalho, o que sofre e canta o sofrimento, o que sorri e canta o sorriso.
Diz
o poeta nesse verso inaugural, e cito:
“Hoje estou aberto ao
mundo.” (1)
Apetece-me
dizer o sinal ortográfico, ponto final.
De
facto, este volume traz-nos, não direi a tal catarse anunciada em prefácio
assinado por João Arezes, que a vida do homem que está por trás do autor não
conheço para além da sinopse que consta na contracapa, mas sinto que este livro
é uma janela, um miradouro onde habita um sonho.
Como
escreveu John Lennon:
“Tu podes dizer que eu
sou um sonhador
Mas eu não sou o único
Espero que um dia te
juntes a nós
E o mundo será só um” (2)
Este
“Ao Povo do Mundo” apresenta-se, pelo menos a mim, como a tal janela, uma
verdadeira janela onde o que diz e o que toma posse do que se diz, trocam
amiúde a posição de observação do mundo, possibilidade essa que só a autêntica
poesia, como meio de comunicação do conhecimento, capaz de nos aproximar da
real face de todas as coisas, pode, de facto, efectuar.
Há,
portanto, neste poemário osmose, mas, também, simbiose. Comunhão plena de
princípios, mas, sobretudo, quase diria de enxadas com que se vão cavando a
terra para o repouso da semente e para a colheita do fruto.
O
poeta e o leitor viajam por entre olhares, não olhando, mas vendo o que há a
ver. Como exemplo, três instantes onde esse olhar se demora: d’”A Terceira Idade”
onde, e cito:
“Um velho está curvado
sua cabeça pende para o
chão
e quando caminha, os seus
ossos rangem;” (3)
passando
pelo único título não maiusculado deste livro, e que significado a este
atributo se pode dar, “Aldeias que já não há / mentalidades que ainda
temos...”, onde se pode ler:
“Já não há aldeias destas
onde quem manda é mandado
e quem sofre leva um
prémio
pelos sábados de sol e
sombra” (4)
até
à viagem, ela própria, melhor: “Viagens” onde, refere o poeta, ou será o
leitor?:
“não me perdi nem me
achei
(...)
sentei-me lá no alto
satisfeito do que vi” (5)
concluindo:
“(...) só vi montes...” (6)
Esta
é a perfeita definição do que é palpável, do horizonte, mas, e talvez
sobretudo, do que há para além do horizonte, aquilo que está para lá do mero
observável, repito:
“sentei-me lá no
alto
satisfeito do que vi”. (7)
Trata-se, a meu ver, de um tratado este “Ao Povo do
Mundo”, que nasce exactamente sob epígrafe de Neruda, aquele que escrevia para
o povo, mesmo que este não o entendesse, para nos desvelar o mundo íntimo e
exterior, consoante o ensejo de quem o desbravar.
Talvez
viagem de vida, a própria, mas essencialmente a construção de uma visão do
mundo que, tal como diz o poeta, e é fundamental seguir esta lição:
“Quando os meus pés estão
magoados
eu desço à realidade” (8)
porque,
tal como afirma Fernando Morais,
“gosto tanto dos meus
pés, cansados, quanto gosto do real” (9)
Escuto
aqui Antonio Machado com o seu conhecido verso
“se hace camino al andar”. (10)
E esta obra faz-se exactamente assim: caminhando e observando cada
metáfora como única.
NOTAS:
(1) MORAIS, Fernando - Ao Povo do Mundo, Temas Originais. Coimbra. 2010. P. 11.
(2) LENNON, John - Canções (1968-1980), Centelha. Coimbra. P. 65.
(3) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 20.
(4) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 29.
(5) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 73.
(6) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 73.
(7) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 73.
(8) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 51.
(9) MORAIS, Fernando - Ob. Cit. P. 51.
(10) MACHADO, Antonio - In "Poemas del alma", http://www.poemas-del-alma.com/antonio-machado-caminante-no-hay-caminho.htm (último acesso a 27.09.2013).
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