quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 31


Vem, entra nas palavras como um rio
Que abraça o mar. Procura um certo encanto.
               A magia do verbo,
               Semente de desejo.

Sabia de um caminho, de um instante
Em que o poema nasce do silêncio
               Como um pássaro que abre
               O olhar desperto ao voo.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 30


            Uma dúvida nasce:
Pesa o corpo o caminho percorrido
Ou o báculo preso ao corpo pesa
            O peso do caminho?
Mas nada o detém, nada o passo cessa,
Nada lhe é sem resposta. Tem caminho
            E fé, o peregrino.
E nos beirais do olhar, possui uma ave
Que lhe desenha e guarda o seu destino.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 29


         Tu quoque, fili mi,
Em tuas mãos me trazes o silêncio,
         Essa palavra, fino
E frio fio, pátria sem nome,
         De um punhal sem memória.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 28 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 28


Serva de mui servir é esta candeia,
Esta voz que bordeja a cercadura
Do próprio verbo
Nado à flor do verso.

Serva a voz que regida rege o ritmo
E nos traz a candura do poema:
Uma serena imagem
Do mundo em movimento.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 27 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 27


Serenamente, ouçamos a canção
Do vento quando as suas mãos repousam
Na face do arvoredo.
Repara como a vida
Segue o seu curso. Nada os deuses deram
Por excesso. Há em tudo uma medida
Exacta. Mesmo o vento
Tem destino a cumprir.
A nós, resta o espectáculo da vida.
Contemplemos pois cada instante como
Criança na janela
Vendo um circo passar.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 26


Sente a palavra antiga, a que deram
Como moeda em troca de um silêncio.
            A dânaca na boca,
Na tua boca para que descubras
O sabor de ser nada. Ser retrato,
            Mero retrato ausente.
Quadro que se retira no solene
Ritual da galeria da memória
            Sob o olhar dos abutres
Que em círculo vigiam a tua obra,
A tua obra que como sua sentem
            Mesmo antes de ser nada.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 25


Pela coorte brota um doce canto
Que os deuses, no mais puro deleite, ouvem.
          Por sentirem a música
          Na tez de cada gesto,
Reabrem os caminhos do desejo,
Acordam o desígnio do fogo,
          A candura das águas,
          A epiderme da terra.
Inventam tudo, espaço para os homens,
E a nossa condição de recriar.
          Resignemo-nos, pois,
          A olhar somente o rio.
Nada do que façamos poderá
Mudar seu rumo: o ensejo de ser mar.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 24


Os acordes acordam na palavra,
Na adormecida estrofe do poema.
            São os olhos do sonho
            Que os despertam do pó.

Ou, talvez, as mãos, pássaros fluentes
Na secreta alquimia da alvorada,
            Do conjugar da música
            De todas as chegadas.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 23


Observemos o rio que nos tolhe
Os passos quando o tempo no seu leito
Deitamos com rigor.

E aguardemos seu lento passar como
Se a vida fosse o rio e nós a água
Entre margens retida.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 22


No voo circular das aves, lê o áugure
            Seu próprio destino.
            O que se lhe revela
            No dorso murmurante
Do azul, é o nascer do gesto de Átropo.

De súbito, o olhar cerra e o que deseja
            É que a caligrafia
            Suprema do poente,
            Na ardósia celeste,
Em seu olhar pulule em outra sorte.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 21 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 21


No alto empíreo, escuta Epimeteu
O epinício. Cântico que o vate
            Eleva sobre o campo
Onde a batalha atroz tinha cessado.

O que indaga no cântico, não é
A glorificação dos vencedores,
            Os heróicos momentos,
O pendão erguido. Era seus despojos:

O sangue derramado, a guerra, a fome,
A morte, a pestilência. A sua obra,
            Seu supremo legado.
O que nos deixou para sua glória.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 20 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 20


Não vos trago ambrosia, nem esta âmbula
            Acolhe vossos óleos.
Trago-vos poesia, meros versos
            Sussurrados por Zéfiro.

Nesta ungida ara os deixo. Não são meus,
            Pertencem a este tempo.
Somente os escrevi porque os vivi,
            Nada mais... nada mais.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 19


Não promete a semente ser a flor.
Entrega-se ao rigor do seu desígnio
            De demandar o sol,
            De ser corpo de luz.

Não prometas palavras que não tens,
Nem rios e nem versos não nascidos.
            Em cada boca nasce
            A voz que a pronuncia.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 18


Não queiramos tributo pelo gesto
Dado. Nada se pede a quem se dá.
            Não há maior tributo
Que aquele que, qual Ândrocles, advém
Quando a vida na arena se resume.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 17


Não me deram por alma ser poeta,
Artífice da pedra na palavra,
            Oculta pedra em templo
            No Olimpo do poema.

Deram-me a ganga, o verbo sufragado
No supremo consílio dos deuses.
            Esta mão e este olhar
            No cultivo das sílabas.

A ninguém se concede por ofício
A íntegra escrita, o verso lapidado.
            Não sangue, mas a veia,
            Dédalo a decifrar.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 16


Não condenais à morte, à escravatura,
Perpétua prisão. Cada palavra
            Bebe de sua fonte
            Suas próprias margens.

Pois não julgais, os deuses se resumem
À contemplação plácida e serena
            Do poema erigido
            No ritmo ao fado preso.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Posfácio a "Amar em Chão de Mar", de Dalila Moura Baião



Ao chegar a este texto, o leitor sabe de onde vem, que caminho trilhou, que imagens, sons colheu ao longo dos três ciclos que compõem esta nova obra de Dalila Moura Baião.

Sabe o sabor real, isto é: o que, de facto, conta; deste “Amar em Chão de Mar”, porque o livro, o que está contido em todas as suas páginas, mas, sobretudo, o que se encontra a descobrir entrelinhas, pertence-lhe.

Não é pertença secreta da poetisa que, ciosamente, o guardou, imaginemos, na tal gaveta de que tanto se fala, mesmo que essa gaveta de móvel antigo agora corresponda a uma página de internet ou a espaço de disco duro.

Após o que acima escrevi, tendo o privilégio de ler este livro antes de ser objecto que agora folheia, amiúde recorri ao “Varandas de Luar” procurando traços comuns como se demandasse um álbum fotográfico em busca de pontes que unam estas margens, estes dois poemários.

Dalila Moura Baião escreve-nos com alma, não só por nesta poetisa eu descobrir paixão, pelo acto de escrita em si e pela forma como nos traz retratos do real e os enforma em sentir, mas também pelo sentido de movimento, de pulsar na construção do verso e na estruturação e articulação da obra.

Neste volume encontram-se três movimentos, três instantes que se nos apresentam segmentados. 

No primeiro descobrimos um isomorfismo, mas liberto da convenção estruturalmente instituída para o soneto, ou não fossem “Poemas de mar, de vento e vida”, ou seja, tal como escreveu Fernando Pessoa: “Navegar é preciso / Viver não é preciso”. Precisão na apresentação, na via que há a percorrer, mas, porque essência dos três elementos referenciais deste ciclo, imprevista, plena de surpresa, a sua elaboração em verso.

No segundo movimento, a decifração possível do que é o nosso mundo íntimo, mesmo que, de quando em vez, se sinta que essa janela por onde se olha o mundo, recolhe em si mesma o olhar do próprio mundo. Trata-se de um puzzle, aparentemente caótico, pela profusão temática, mas que, no final, nos leva à proximidade do rosto do mundo que se vislumbra por essa janela, cabendo, portanto, ao leitor essa recolha de peças, quase diria traços e tonalidades, para esse erigir de rosto.

E, finalmente, o terceiro movimento, que nos é apresentado como retalhos, mas que são, na sua matriz, a verdadeira essência dos dois primeiros ciclos, isto é: neste último, pode o leitor descortinar referências, quer no plano afectivo, com especial relevo aos poemas inaugurais, onde a figura mãe predomina, quer no plano intelectual, que tornaram possível a feitura do poema, aquele que a poetisa escreveu e aquele outro, aquele que qualquer poeta procura.


Coimbra, 3 de Dezembro de 2010


in BAIÃO, Dalila Moura - "Amar em Chão de Mar". Temas Originais. 2010

de "Trinta mais uma odes" - 15


Joga-se ao Livre Arbítrio no Olimpo,
Riem os deuses, lançam os seus dados.
            Enquanto rodopiam,
            Uma estrela fenece
E outra pelos caminhos dos mortais
Pelo chão se projecta. Os deuses riem.
            É na dúvida do homem
            Que os deuses são felizes.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 14 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 14


Galaaz, é nas tuas mãos que guardo
            O poema perfeito
Do mundo. O que indaguei pelas palavras,
            Pelo ritmo dos homens,
Pelos gestos dos deuses que cifrados
            Se expõem ao olhar.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 13 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 13


Flores, lego-te flores, musa minha.
Em tuas mãos as deixo com rigor
            Como um verso que nasce
            Do ventre do poema.

As flores são perenes se esquecidas,
Mas eternas se em tuas mãos florirem
            Como verso que brota
            Na flor do teu sorriso.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 12


Eu sei que sou feliz nas calmas margens
Deste rio. O espectáculo do mundo
            Desliza em suas águas.
Ou no meu olhar prenhe pelas Graças,
Por Talia, Eufresine e Aglaia que
            Brincam em sua face.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 11


Escutemos o vento quando afaga
A casa onde deixámos nossa infância.
            Sintamos na epiderme
            Da cal, o suave ósculo
Do sol. Em cada imagem reflectida,
Repousemos o pássaro do sonho
            E aprendamos a sílaba
            Inaugural da vida.

Saibamos ser como este rio imenso
Que agora prova o sal do mar azul,
            Que amou o tempo, as margens,
            O fado que lhe deram.
Aos deuses, nada mais ouses pedir.
Também o sol, que tudo vê, resigna-se
            A contemplar o mundo
            No seu lento passar.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 10


Em tuas mãos, o cálamo, poeta,
É pedra, espada, ogiva que a memória
            Em ti acorda. Charrua,
Terra, semente. Em ti, poeta, o cálamo
É princípio e fim, é tua calema
            Por entre a voz dos tempos.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 9


Em teu gesto, Anfitrite, acorda a voz
Das Nereidas. Aedo, escuto o mar
            No ressoar das sílabas,
            No evolar de um acorde.
Como se neste barco a noite fosse
A mesma em que furtei ao anfitálamo
            O cativo poema
            A que fiquei cativo.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 8


Dizes-me a flor de maio, o sol de agosto,
Mas tudo no seu tempo tem o tempo
            Certo para saber
            O seu próprio tempo.

Pois nada os deuses deram por acaso.
Tudo pulula, tudo cresce, tudo
            Se rege no caminho
            Pelo tempo traçado.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

domingo, 7 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 7


Desígnios cruéis traçam os deuses.
Plácidos, resignados, aos mortais
            Cumpre seguir caminho.
            Adir um passo mais.

Mas pior que adiar o inadiável,
É tê-lo por amor não seu. Ser Ácis
            No trilho de Polifemo,
            No olhar de Galateia.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sábado, 6 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 6


Demoro o meu olhar na antigualha.
O que outrora existiu, agora é sombra.
            Mas cada pedra canta,
            Eleva a sua voz.
Quem me dera escutá-la, conhecer
Os ritos que a regiam, que a faziam
            Ser qual ponto de luz
            Nos trilhos tecido
Com mestria de Aracne e que o passar
Do tempo, qual Atena por despeito,
            Seu corpo resumiu
            Nas mãos de uma arandela.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 5


Delos, berço de Artémis e Apolo,
Onde ninguém fenece, sequer nasce.
            Delos nos braços dóceis
            De Egeu, entre a partida
E a chegada talvez do sol, talvez.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 4


Cumpramos nosso fado, musa minha,
O que os deuses nos deram a cumprir,
Sem escolha e sem dúvidas
Do caminho a seguir.

Tal como esta semente, que aceitou
Que será flor e fruto o seu destino,
Saibamos, musa minha,
O nosso assim viver.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 3


Como é belo o poema quando nasce,
Álacre resultado da agonia,
            Corola que descobre
            A aglaia do momento
E se entrega a seus braços sem pudor.
Porque o poema é sol que se partilha.
            Não se guarda, nem cala
            A voz que o silencia.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 2


Com o tempo, aprendi a olhar o mundo
            Com olhos de menino
Como se cada instante revelasse
            O eclodir de um poema.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

de "Trinta mais uma odes" - 1



Bebe a cicuta, Sócrates, que o tempo
Julga, serenamente, quem condena,
            Do pensamento, o fruto.

in "Trinta mais uma odes" (e-book, Virtualbooks, Brasil, 2007)