No início do ano de 2012,
surge, sob chancela da Temas Originais, o segundo título da autoria de Alvaro
Giesta, “Meditações sobre a palavra”, com o subtítulo de “um tributo a Ramos
Rosa, o poeta do presente absoluto”.
Antes deste volume, o autor editara “Onde os Desejos Fremem
Sedentos de Ser”, obra em que se estreara a solo, este publicado pela Corpos
Editora, decorria o ano de 2011.
Posteriormente, desta feita através das Edições Vieira da
Silva, também em 2012, veio a lume “Há o silêncio em volta”.
Destas três obras, onde se nota a oficina onde o poeta
burila o trabalho a ser, há, na minha perspectiva, a destacar o título que
menciono primeiramente e, sobre o qual, me debruçarei no presente texto.
Em “O poeta”, labor inserido anteriormente em “Cantoário
(Antologia)”, datado de 2000, e que ressurgiu em “Prosas seguidas de Diálogos”,
António Ramos Rosa escreve o seguinte:
“Ao contrário do que muitos pensam, o poeta não escreve a
partir de imagens formadas na mente ou na imaginação. Essas imagens surgem ao
nível da escrita, embora correspondam a um imaginário latente no inconsciente
do poeta. Daí a primazia do poema como criação originária”. (1)
Um pouco mais à frente, refere que:
“o que
determinava, essencialmente, a sua poesia, era a própria criação poética”. (2)
Alvaro Giesta, logo na abertura deste seu tomo, numa nota de
autor, avisa o leitor que
“O homem, ao criar, põe no que cria engenho e arte sem estar
sujeito a qualquer entidade inspiradora”. (3)
Talvez seja este, também, um dos motivos de o autor abdicar
do acento agudo no nome que utiliza para assinar as suas obras, indicando-nos
assim de que não é um poeta esdrúxulo, isto é, no sentido de complicar o efeito
do seu acto de escritura, antes pretendendo que este surja aos olhos de quem o
lê como cristalino, guardando para si, enquanto agente exclusivo do acto
criador, a carga inerente de um quase estauróforo.
Por seu turno, este livro, “Meditações sobre a palavra”,
recebe, tal como antes referi, como subtítulo “um tributo a Ramos Rosa, o poeta
do presente absoluto”.
Tenho como ideia sobre a produção poética de António Ramos
Rosa a de uma espécie de poeta solar, daquele que soube entender a sombra, tocar
no corpo e olhar para a luz, trazendo de volta o caminho, através da palavra,
da aproximação a todas as coisas.
Talvez por isso a palavra em António Ramos Rosa nos apareça
como sendo única e inaugural, como produto, tal como nos sugere Alvaro Giesta, de
um presente absoluto.
Esta sequência: sombra, corpo e luz; não tem que ver, no
imediato, com o Mito da Caverna, de Platão, embora também se pudesse ir por
essa via, dado que, no fundo, estamos a falar sobre a possível forma de
alcançar o conhecimento, também este na medida do possível, de todas as coisas
do mundo, antes tem que ver com o que António Ramos Rosa menciona, e cito:
“O sol é todo o espaço
e toda a vida é sol
dentro de nós
fora de nós
O sol é o único deus
visível” (4)
Mas mais do que um deus visível, mais do que o rosto, nós
sabemo-lhe o nome. E sabemo-lhe porque soubemos construir uma palavra que o
representasse em nós, porque o sol em si, tal como um grão de areia, ou
qualquer outra coisa, não carece de palavras, simplesmente são, mas não o são,
no entanto, para nós, na medida em que sentimos a necessidade de indagar sobre
todas as coisas do mundo e, para que tal ocorra, precisamos das palavras.
E é exactamente isto, na minha leitura, naturalmente, o que
está em causa no presente volume de Alvaro Giesta, “Meditações sobre a
palavra”, o saber que a palavra em si pode e deve ser mais do que a palavra
para cada um de nós, inclusive para o próprio, daí a utilização da linguagem
poética, registro esse onde a palavra adquire valores diversos aos que comummente
lhes são atribuídos.
A palavra é aquilo a que, colhido como sombra, urge
saber-lhe do corpo, quase direi, tal como Teixeira de Pascoaes, que
“a Palavra é uma Criatura; tem, portanto, a sua anatomia e a
sua psicologia, dignas do amor, do respeito e carinho que merece tudo o que
vive” (5)
e, após tomarmos consciência de tal, saber que, se há
sombra, se há corpo, algo lhe toca, algo permite o seu desenho, isto é, algo o
afaga com luz.
Alvaro Giesta traça-nos o poema partindo, porque o demanda,
do que radicalmente nomeia a coisa, que em sombra nos é apresentada, para o
trabalhar, retirando-lhe os excessos, levando, direi, ao osso, ao mínimo, ao
essencial para que o corpo, ele próprio, na palavra se possa vislumbrar para,
posteriormente, saber da via, o ter consciência que o poema pode e deve ser
luz, citando-o:
“e o conhecimento a iluminar
quando
do seio da terra nasce a criatura” (6)
A palavra deve ser procurada porque
“a palavra
é!
está
no altar-mor que lhe é devido” (7)
para que o poema, tal como uma escultura, que nasce do
ventre de uma pedra em bruto, seja o revelar do corpo que nessa mesma pedra
estava oculto.
Tal efeito só é possível se o artesão dominar o uso dos
artefactos e souber das próprias propriedades da matéria a trabalhar.
Creio que estamos perante um poeta que demanda, dia após
dia, no recato da sua oficina, o desvelar dos segredos do seu mister e esta
obra, porque medita sobre matéria e utensílios, diz-nos exactamente isso. E o
seu autor, mui certamente, sempre que um dos seus objectos se descobre no seu
corpo exacto, imitará a sombra quando esta se inclina
“à passagem da palavra acabada
de
nascer”. (8)
NOTAS:
(1) ROSA, António Ramos – Prosas seguidas de Diálogos.
4 Águas Editora. Faro. 2011. P. 22.
(2) ROSA, António Ramos – Ob. Cit. P. 22.
(3) GIESTA, Alvaro – Meditações sobre a palavra. Temas
Originais. Coimbra. 2012. P. 9.
(4) ROSA, António Ramos – in Rua Larga, Revista da
Reitoria da Universidade de Coimbra. Número 15. Universidade de Coimbra.
Coimbra. Janeiro de 2007. P. 67.
(5) PASCOAES, Teixeira de – in “Observatório da Língua
Portuguesa”. http://observatorio-lp.sapo.pt/pt/ligacoes/sitio-de-interesse1/historia-d-lingua/teixeira-de-pascoaes (último acesso a
01.09.2013). Com indicação bibliográfica: “Teixeira de Pascoaes, «A Fisionomia
das Palavras» (1911), in A Saudade e o Saudosismo, Lisboa, 1988, p.18.
(6) GIESTA, Alvaro – Ob. Cit. P. 51.
(7) GIESTA, Alvaro – Ob. Cit. P. 31.
(8) GIESTA, Alvaro – Ob. Cit. P. 30.
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